quarta-feira, 7 de maio de 2008

Contos da tradição

A Princesa Encantada
Havia noutro tempo num rei e que tinha uma filha muito sábia e que disso tinha muito bazófia
Um dia ela pediu ao pai que mandasse deitar um pregão para que toda a gente viesse ao palácio responder ao que ela perguntasse.
Assim se fez mas com a promessa de quem se fosse mulher que respondesse bem teria uma boa recompensa e fosse homem casava com a princesa.
Com tão boa promessa veio toda gente ao palácio , mas ninguém sabia responder às perguntas feitas pela princesa.
Faltava um lavrador, que disse para um criado que lhe aparelhasse a égua para ir responder á princesa.
O criado que era muito bruto mas ladino disse-lhe:
Ó meu amo deixe-me ir também.
Ó alarve que hás-de tu responder
Não sei, mas tenho cá uma daquelas impressões que hei-de saber responder.
O lavrador riu-se muito, mas disse que sim e, o rapaz foi vestir o seu fato domingueiro mas passando por uma méda de lenha tirou uns poucos de paus que meteu no bolso e o mesmo fez a um ovo de uma galinha que acabava de pôr.
O lavrador viu e nada disse mas o rapaz disse-lhe:
- Ande lá meu amo que tudo serve.
Montaram-se os dois cada um em sua égua e foram a caminho do palácio.
O lavrador no meio do caminho teve uma necessidade, apeou-se e foi satisfazê-la. O criado tirou do bolso um lenço de seda, apanhou a merda e guardou, como tinha feito à lenha, dando a mesma resposta ao amo – de que tudo servia.
Chegaram, e o lavrador foi o primeiro a ir ouvir a princesa mas nada soube responder e mandou o rapaz visto que eram admitidas pessoas de todas as classes.
A princesa abriu uma porta e disse:
Eu sou um fogo
Frite-me lá este ovo, disse o rapaz.
Não tenho lenha disse a princesa
Aqui estão uns pauzinhos
Você é um porco
O moço tirou do bolso o lenço de seda onde tinha guardada a merda do amo e disse-lhe aqui tem uma prova.
A princesa ficou desesperada por ser aquele bruto a única pessoa que lhe tinha sabido responder, mas como palavra de rei não volta atrás o rei lá casou filha com o moço.
E o Senhor seja louvado porque o meu conto está contado.
A Velha
Era uma vez uma velhinha muito velha, muito amarrecada que, andava sempre a pedir esmola, fazendo uma grande lamúria: - que não tinha ninguém, que era muito desgraçadinha, que estava para ali abandonada, etc etc.
Mas dizia-se que a velha tinha em casa muitos haveres e, por isso um dia, enquanto a velha foi à fonte, um ladrão entrou-lhe em casa e meteu-se debaixo da cama.
A velha quando entrou em casa viu-lhe um pé.
Esteve quase para gritar mas teve medo que ele a matasse e por isso nada disse, mas deixou a porta da rua aberta.
No quarto, a velha tinha uma cómoda em cima da qual tinha um oratório com um crucifixo e vários santos.
Ajoelhou-se pôs-se de mãos postas e erguidas e começou a dizer
Ó meu Senhor eu quando era moça namorava um rapaz muito bonito, depois meu Senhor casei com ele e quando vim para casa tirou-me o véu. E já falando bastante alto - - que vergonha meu senhor !
Depois tirou-me o vestido, ai que vergonha que eu tenho de dizer estas coisas.
Depois foram as saias, as botas. E já a gritar - ai, ai, ai que vergonha a minha.
Os vizinhos ao ouviram aquela gritaria toda, acudiram para ver o que era. A velha assim que sentiu gente em casa, sem mudar de posição gritava – Vejam debaixo da minha cama que está lá um ladrão.
Os vizinhos foram ver e lá estava o homem que levou uma bela sova e assim se livrou a velha de ser roubada e morta.
E o Senhor seja louvado que o meu conto está acabado.
O Baguinho de milho
Era uma vez uma mulher e um homem que queriam ter um filho ainda que fosse ao menos do tamanho de um bago de milho.
Passado algum tempo a mulher teve um filho que era mesmo desse tamanho fazendo-lhe assim Deus a sua vontade.
Um dia o filho quis ir levar o jantar ao pai e a mãe deixo-o e ela lá abalou com o tarro e o talego.
Chegou lá, entregou o jantar ao pai e ele, o baguinho de milho foi-se pôr a brincar em cima de uma folha de couve, mas veio um boi e comeu-o. Ele começou a gritar lá de dentro da barriga do boi;
Pai, mate o boi que eu dou-lhe dinheiro para comprar três ou quatro bois.
O pai matou o boi e saiu o baguinho.
Para que pudesse arranjar o dinheiro para cumprir com o que tinha dito ao pai o baguinho foi-se a correr mundo e chegou a uma casa onde estavam uns ladrões e ouviu o capitão dizer:
Fechem bem as portas não veja alguém o que vamos fazer.
E começaram a repartir o dinheiro dos roubos. O baguinho pôs-se no meio da mesa. Um dos ladrões deu-lhe um encontrão e o baguinho foi contra uma parede e pôs-se aos gritos:
Não me empurre, não me empurre.
E pôs-se outra vez no meio da mesa. Feitos os repartimentos, disse o baguinho de milho:
Ainda falta um quinhão:
Respondeu o capitão:
Ainda falta um quinhão ? Eles já todos têm, mas pôs uma bolsa em cima da mesa para quem a quisesse apanhar.
Diz o baguinho de milho:
Não é para quem a quisesse apanhar, essa é para mim.
E depois foram jantar. Ele também quis comer e deram-lhe de jantar. Depois de barriga cheia, o baguinho de milho meteu-se dentro da bolsa do dinheiro e foi rebolando para casa da mãe que já tinha muitas saudades suas.
De seguida foi procurar o pai para lhe dizer:
Eu bem lhe tinha dito que lhe arranjava dinheiro para comprar três ou quatro bois.
Ficaram todos muito contentes e o Senhor seja louvado que o conto está acabado.
O Copo de oiro
Era uma vez um rei e uma rainha que viviam muito desgostosos porque não tinham filhos. E muito pediram a Deus que lhe desse um filho e que quando o filho tivesse 18 anos iria ele próprio a Roma sozinho pagar uma promessa. Foram ouvidos por Deus e ficaram muito contentes quando nasceu o príncipe.
Quando ele se ia aproximando dos 18 anos começaram os pais a andar muito tristes porque o filho tinha que ir sozinho a Roma pagar a promessa.
Chegados aos 18 anos preparou-se para partir para Roma e a rainha quando dele se despediu, deu-lhe um copo de ouro e deu-lhe três pêras, dizendo-lhe que as não partisse sozinho, que as partisse acompanhado e que só aceitasse por companheiro de viagem aquele que lhe desse o bocado maior e que nunca acompanhasse com aquele que lhe desse o bocado mais pequeno.
O príncipe saiu de casa para cumprir a promessa. No meio do caminho encontrou um homem ao pé de uma fonte e pediu-lhe que partisse uma das pêras e o homem deu-lhe a parte mais pequena e não acompanhou com esse homem. Encontrou outro junto de outra fonte e que lhe fez o mesmo e, á última pêra encontrou, junto de outra fonte outro homem e este deu-lhe o bocado maior e foi com este que ele acompanhou. Fizeram-se amigos e lá partiram os dois para Roma.
Em todas as hospedarias ficaram sempre no mesmo quarto, e quando chegaram à última hospedaria, á hora da ceia, o príncipe tirou do saco o copo de ouro para beber água e a dona da casa não tirava os olhos de cima do copo e o companheiro reparou nisso.
Quando disseram que se queriam ir deitar e que queriam dormir juntos, a dona da casa disse que não era costume naquela hospedaria dormirem duas pessoas no mesmo quarto e eles ficaram muito tristes.
Cada um foi para o seu quarto e pela noite adiante ela foi ao quarto do príncipe, matou-o e tirou-lhe o copo, depois escondeu o cavalo e ao príncipe levou-o para uma estrumeira a enterrar.
Pela manhã, quando o companheiro se levantou e perguntou por ele, a dona disse-lhe que ele tinha abalado e ele ficou muito admirado e não acreditou.
Foi dali a casa do juiz e contou-lhe o sucedido e a sua desconfiança de que havia crime por causa do copo de ouro que era de muito valor.
O juiz disse-lhe que isso se arranjava bem, que ele conhecia a mulher e lhe mandaria pedir uns copos emprestados. E assim fez. A mulher mandou uns copos de vidro e como o juiz pediu mais copos ela mandou-lhe outros de cristal e como o juiz pedisse mais copos mandou-lhe uns de prata e entre eles um de ouro, que era o tal.
O homem assim que o viu conheceu-o logo. A dona da casa foi logo presa e obrigada a dizer onde estava o príncipe e o cavalo. Confessou tudo e o homem foi a desenterrar o príncipe e, mesmo assim morto montou-o no seu cavalo, segurou-o no cavalo e lá abalaram para pagar a promessa do príncipe.
Quando chegaram á igreja ficou o príncipe à porta montado no seu cavalo e ele foi fazer a oração como se fosse o seu amigo e deu-lhe vontade de olhar para trás e viu o príncipe a fazer a oração e chorava e entendeu ser isto um grande milagre. Depois disto voltaram ambos para as suas casas.
Quando se despediram, o príncipe deu-se a conhecer e queria levar o companheiro para o palácio, mas ele não aceitou porque também ia para a companhia de seus pais que eram lavradores. O príncipe disse-lhe que se alguma vez precisasse que o procurasse no seu reino.
Passados anos os pais do companheiro morreram e ele ficou muito pobre e lembrou-se do oferecimento do seu amigo príncipe. Dirigiu-se para o palácio e disse que lhe queria falar, este conheceu-o logo e valeu-lhe em tudo, assentando-o à sua mesa e tratando-o como a um irmão e não consentiu que ela saísse mais do palácio onde ficou a viver para sempre.
E o Senhor seja louvado que o meu está acabado.
O Galo
Era uma vez um galo que andava a esgravatar num campo e achou uma bolsa cheia de moedas de ouro.
Começou a pensar a quem daria as moedas que melhor o recompensasse e decidiu que as levaria ao rei. E lá partiu a correr a caminho do palácio com a bolsa ao pescoço.
No caminho encontrou uma raposa que lhe disse:
Amigo galo onde vais com tanta pressa ?
Vou levar esta bolsa com moedas ao nosso rei.
Mas se tu não te importares também gostava de ir.
Então mete-te aqui no meu rabo.
A raposa assim fez.
O galo sempre correndo encontrou no seu caminho um montão de pedras que lhe perguntaram :
Aonde vais galo ?
Estou com muita pressa pois vou levar esta bolsa de dinheiro ao nosso rei.
Ó amigo galo, se nos deixasses, nós gostaríamos muito de ir contigo.
Se quiserem vir comigo metam-se aqui para o meu rabo.
Correndo, correndo lá abalaram.
Mais adiante encontrou uma ribeira e um enxame de abelhas que sabendo o que o galo ia fazer pediram-lhe com os deixasse ir com ele até ao palácio do rei.
E o galo disse-lhes metam-se no meu rabo.
E assim chegou o galo ao palácio do rei, cheio de todas aquelas coisas e logo pediu para falar com o rei pois queria entregar a bolsa com as moedas de ouro ao rei.
O rei mandou o galo subir aquelas escadarias todas e recebeu-o na sala do trono, onde o galo lhe entregou a bolsa com as moedas de ouro.
O rei assim que se apanhou com as moedas, mandou-o meter no galinheiro, junto com os outros galos e galinhas.
Ficou o galo muito zangado, porque não esperava da parte do rei aquela atitude mas sim uma grande recompensa em troca da bolsa.
O galo que não era parvo nenhum e para se vingar do rei deixou sair do rabo a raposa e esta comeu as galinhas todas.
O galo pôs-se no poleiro a cantar:
Qui-quiri-qui-qui
Venham ver o que eu fiz.
Vieram todos a correr para ver o que passava no galinheiro e, o que viram ? Não havia galinhas nem galos.
Disse o rei:
Metam o galo dentro de um pote e ponham-lhe uma também uma tampa bem pesada para ele não possa sair de lá.
Assim fizeram.
O galo também não gostou daquilo e, assim que se viu encerrado deitou fora as pedras e o pote partiu-se todo aos bocados.
E o galo pôs-se a cantar:
Qui.quiri-qui-qui
Venham ver o que eu fiz
Foram dizer ao rei o que o galo tinha feito e ele ordenou que metessem o galo num forno bem aceso para o queimar todo.
Assim que lá o meteram, o galo largou a ribeira que logo apagou o fogo.
E o galo saltou para o telhado e começou a cantar:
Qui.quiri-qui-qui
Venham ver o que eu fiz.
O rei, desesperado já não sabia o que fazer à vida e então ordenou - tragam cá o galo, esse maroto, que eu lhe quero cagar em cima. Mas assim que o rei se despiu, o galo largou de imediato as abelhas que se pegaram todas ao corpo do rei que já escorria sangue por todos os lados.
Assim que viram o estado em estava o rei levaram-no dali para a cama quase morto.
Visto que ele fazia tantas maldades e como não conseguia ver-se livre dele, o rei deu-lhe outra bolsa cheia de moedas de ouro com a condição de se ir embora do palácio o mais depressa possível.
O galo assim fez.
Agradeceu aos seus amigos que o acompanharam e lá abalou a correr.
Quando chegou à sua terra distribuiu o dinheiro pelos pobrezinhos que era muito mais bem empregue do que no rei.
Seja Deus louvado
Está o meu conto acabado.

Turismo Rural

Todos nós temos a percepção que a vida nos dias de hoje é por demais oscilante faltando tempo para tudo em especial para a família.
O Stress, resultante da vida agitada que levamos, sobretudo nos grandes centros populacionais, é já hoje considerado uma doença e por vezes de muita gravidade.
Tentando combater esse estado, temos vindo a assistir uma fragmentação do período de férias em 2 ou 3 períodos.
Pretende-se com este esquema de férias repartidas retemperar forças.
No entanto afigura-se-me que esta medida acaba por ser insuficiente. Desta forma foi arquitectada como complemento uma nova forma que se pode estender ao longo do ano.
O Turismo Rural, e do qual constam:
Agro-Turismo
Turismo Rural
Casas de Campo.
Estes empreendimentos situados em zonas rurais são constituídos por casas simples de outrora da qual constam quartos, cozinha e uma sala de jantar.
O Turismo de Habitação, normalmente situado em localidades e é constituído por casas solarengas, ou solares que foram recuperados precisamente para este fim.
Em todos os empreendimentos de Turismo na área rural tem parque automóvel privativo.
Em todos estes empreendimentos cuja gestão é familiar, houve por parte do estado uma aposta forte com a qual proporcionou uma grande recuperação do património que, doutra forma era completamente impossível face a dificuldades financeiras dos proprietários.
Assim, muitas casas que estavam completamente em ruínas, hoje desempenham um papel extremamente importante e a partir das quais se fomenta o turismo local e se criam novos postos de trabalho
Neste momento a percentagem de ocupação não é ainda muito elevada mas estende-se ao longo de todo o ano, proporcionando assim que uma família possa descansar longe do bulício dos grandes centros, um fim-de-semana ou mais dias que acaba por ser retemperador.
Em todos os empreendimentos impera o atendimento personalizado e por vezes em convívio constante.
Em todos os empreendimentos de Turismo no espaço rural existem serviços de animação e diversão e de lazer, existindo assim uma aliança entre o alojamento e a animação.
Independentemente da propriedade dos equipamentos ao dispor dos hóspedes é no agro-turismo e turismo rural que a diversidade é maior.
Em termos de equipamento/actividades de animação próprias, a piscina, apesar do seu elevado custo é predominante, havendo também quem possua picadeiro, bicicletas de todo o terreno e jogos de salão.
Quando inseridos em determinadas áreas de caça e pesca são proporcionadas todas as condições e facilidades para sua prática.
Os preços praticados oscilam entre os 36 e os 67 euros por quarto, isto em turismo rural e agro-turismo, porque em turismo de habitação praticam-se preços mais elevdos – 88 euros.
Nas casas de campo o preço em média ronda os 54 euros.
Na maioria dos empreendimentos do Natal ao Carnaval há a possibilidade de assistir à matança do porco, festa familiar e com rituais próprios.
Pela Páscoa temos o Borrego
Ao longo de todo o ano podemos desfrutar o artesanato, a gastronomia, feiras e mercados alguns deles bem ao estilo medieval.
Diremos que a grande apetência que se está sentindo por este outra forma de turismo tem muito a ver com o tratamento personalizado que sempre se encontra.
7 de Junho de 2004.

Acta de Colóquio

COLÓQUIO “ O FOLCLORE E O PODER LOCAL”
ESTREMOZ – 11 DE FEVEREIRO DE 2006
Aos onze dias de Fevereiro do ano de dois mil e seis decorreu no Auditório Municipal “Bernardim Ribeiro”, em Estremoz, o Colóquio “O Folclore e o Poder Local”, numa iniciativa da Associação de Folcloristas do Alto Alentejo, em colaboração e com o elevado patrocínio do Município local.
Intervieram como palestrantes os Srs. Prof. Dr. Francisco Ramos, Inspector António Lopes Pires e Dr. Sérgio Fonseca, tendo a moderação dos trabalhos sido efectuada pela Drª Carla Raposeira.
A abertura dos trabalhos foi efectuada pelos Exmºs. Srs. Vereador da Cultura Dr João Chouriço e Presidente da Câmara Municipal de Estremoz Dr José Alberto Fatexa que saudaram todos os presentes dando nota do seu contentamento pelo facto de esta iniciativa decorrer em Estremoz e concretamente naquele espaço, posto que o Município aprecia e estimula as acções culturais, de natureza erudita ou tradicional, numa perspectiva de facultarem a todos os cidadãos estremocenses a oportunidade de contactarem com as distintas ofertas culturais e artísticas, propósito que justifica o próprio investimento municipal tanta a nível das infra-estruturas de que vai dispondo como do próprio calendário de eventos que é proporcionado a toda a população.
Em continuação divulgaram a sua disponibilidade para o apoio a actividades culturais desta área, designadamente ao folclore, no pressuposto de que este sector da cultura tradicional tem de ser valorizado e apoiado na medida em que permite a afirmação das singulares culturais de cada região, impondo-se, por isso, que as autarquias não se demitam de criar boas condições para uma qualificada intervenção dos agentes associativos que intervêm nesta temática, pese embora que apenas supletivamente, posto que a outras entidades deve incumbir, igualmente, o apoio indispensável a este segmento da cultura portuguesa, com base em critérios e regras que têm de ser devidamente aprofundados para melhor atingirem os objectivos de favorecer a intervenção social e cultural nesta área do conhecimento.
O Prof. Dr. Francisco Ramos começou por definir o termo “folclore”, à luz conceptual de William John Tommas, quando em 1846, substituiu a expressão então corrente de “antiguidade popular”, para, a partir daí, descrever a evolução conceptual do folclore, em referência a alguns dos mais ilustres estudiosos da matéria, com destaque para os portugueses José Leite de Vasconcellos, Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira, porém, enquadrando ainda histórica e filosoficamente os contributos de Eduard Taylor, Spencer, Darwin e Augusto Comte.
Do mesmo modo, referiu o contributo do Dr. António Ferro, positivo ou negativo de acordo com as possíveis perspectivas de análise, mas, ainda assim, destacável pela afirmação da cultura popular, numa época em que a tendência apontava no sentido do esbatimento de tudo o que fosse tradicional, e que, em consequência das comemorações dos Centenários e de diversas manifestações sociais e culturais então promovidas, permitiram o fixismo de algumas tradições, numa acção, obviamente, não isenta de erros, mas, a seu ver, positiva. Por diversas razões, que, ponderadamente aduziu, considerou a década de 40 do século passado, como uma década de ouro para os folcloristas portugueses. Na década seguinte referiu a grande influência de Jorge Dias na escola etnológica de Lisboa, registando-se muito válidos contributos para aprofundar o conhecimento das singularidades do povo, com importantes intervenções de Galhano, Manuel Viegas Guerreiro, Benjamim Enes Pereira, Margot Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, etc.
Em síntese, o Prof. Dr. Francisco Ramos concluiu que ao folclore devem interessar todas as áreas do conhecimento sócio-cultural que permitam um conhecimento mais profundo sobre as formas como o homem no seu conjunto se manifestava nas diversas fases da sua vida – trabalho, festa, religião, etc..
Em seguida, usou a palavra o Sr. Inspector Lopes Pires, que na linha da intervenção do orador precedente, abordou a definição do termo “folclore”, sinalizando diversas perspectivas, entre as quais a da Unesco, segundo a qual, folclore (no sentido mais amplo da cultura tradicional) é uma criação que emana de um povo e se fundamenta na tradição expressa por um grupo ou por indivíduos que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade, enquanto expressão da sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outro modo; as suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitectura e outras artes.
Prosseguindo, referiu a perspectiva de Dundee, segundo a qual folclore são também expressões não verbais, o que constitui uma contradição com os conceitos de muitos teóricos. A partir da comunicação de um especialista espanhol num Congresso brasileiro, referiu que um facto folclórico deve ser caracterizado por quatro aspectos fundamentais: ser popular, ser anónimo, ser tradicional e ser universal.
Tendo aceite o desafio da Organização do Colóquio para dissertar sobre “O Folclore e o Poder Local”, após reflexão, decidiu subverter o título da comunicação, e, daí, claro está, alterar (significativamente) o sentido da sua intervenção, pois, entende, que deverá ser o Poder Local a interagir mais com o “Folclore” (entendido como movimento associativo constituído pelos agentes que intervêm nesta área da cultura), uma vez que se espera que o Poder Local se assuma em plenitude como uma entidade que interfere junto dos agentes sócio-culturais de modo a salvaguardar o “Folclore”. Como diz o povo, “Quem dá o pão, pede a obrigação”. A obrigação da autarquia é dar o apoio mas exigir qualidade, descriminando positivamente os que melhor aproveitam o apoio concedido.
Os grupos de folclore devem saber o que recolher e como recolher, do mesmo modo que têm de estar perfeitamente conscientes de que em todo o momento se devem preocupar com a preservação da cultura, seja física ou imaterial. Sem preservação não há conhecimento nem defesa e a divulgação será sempre efémera. Todos os grupos de folclore devem registar as suas recolhas, sistematizando este trabalho, posto que a desculpa “com as velhinhas que já morreram, já não colhe”. Ainda que no seio do próprio grupo a recolha tem de ser registada, anotando-se quem, quando e em que circunstâncias transmitiu aquela informação, que deverá ficar registada tão completamente quanto seja possível.
Em cultura tradicional há uma regra sagrada – Proibido inventar! Os grupos de folclore, naturalmente, através dos seus responsáveis técnicos, devem recolher, analisar e reconstituir o que lhes for transmitido, nunca divulgando aquilo sobre o qual haja dúvidas de representação. Inventar para completar informação em falta, nunca! A mentira tem perna curta, e mesmo quando alguém pensa que está a enganar outrem, acaba sempre por se descobrir, e mesmo que não se descubra, há sempre alguém que conhece a verdade, que são os próprios, e quando os próprios não recusam enganar-se a si mesmos, algo vai mal.
Em tempo de debate, intervieram os srs. Manuel Braga, Martinho Dimas, João Carriço, Lino Mendes, Florêncio Cacete, Manuel Palhouco, Ludgero Mendes e Maria Castanho, que colocaram pertinentes questões, as quais foram cabalmente respondidas pelos comunicantes que até então haviam usado a palavra.
Após um almoço esmeradamente servido e que foi oferecido pelo Município de Estremoz, retomaram-se os trabalhos com a intervenção do Dr. Sérgio Fonseca, que abordou o tema dos instrumentos musicais tradicionais, tendo desenvolvido este tema com o suporte informático, permitindo a visualização e a audição dos diferentes instrumentos que ia caracterizando, ordenados pela classificação de Curt Sachs, ou seja, pelas famílias dos membranofones, dos idiofones, dos aerofones e dos cordofones, adequando os exemplos aos instrumentos mais tradicionais na região alentejana, tendo feito uma interessante referência às “pedrinhas de Arronches”, à sarronca, à viola campaniça e, como não poderia deixar de ser, ao cante alentejano, verdadeiro conjunto harmónico de “instrumentos anatómicos”, conjugados ao mais elevado potencial.
Satisfazendo o convite formulado pela Associação de Folcloristas do Alto Alentejo, Ludgero Mendes, interveio no final dos trabalhos para apresentar uma proposta de “Conclusões” deste Colóquio, de modo a sintetizar os aspectos mais relevantes deste encontro que foi unanimemente considerado como muito importante. Assim, foram apresentadas as seguintes “Conclusões”, que foram aprovadas, no seu conjunto, por aclamação:
Entre o Poder Local, designadamente as Câmaras Municipais, as Juntas de Freguesia, as Regiões de Turismo e as Associações de Desenvolvimento Regional e os grupos de folclore deverão estabelecer-se relações de compromisso mútuo, definindo-se os direitos e as obrigações de ambas as partes, numa perspectiva de fomentar o estudo, a conservação e a divulgação da cultura tradicional local ou regional;
Entre o Poder Local e as associações culturais que intervêm nas áreas da etnografia e do folclore, deverão estabelecer-se acordos de cooperação, tipo contratos-programa, em que se definam claramente os critérios e as regras que devem regulamentar os diversos aspectos em que assentem os protocolos a elaborar;
A relação entre o Poder Local e os grupos de folclore tem de assentar na assumida cooperação de todos na defesa, no estudo, na salvaguarda e na divulgação digna e consciente do património cultural tradicional;
Constatando-se que a maioria dos grupos de folclore apenas se interessam pelas danças, músicas, trajos e cancioneiro da comunidade que pretendem representar, estimula-se a que devam igualmente dedicar-se à pesquisa, ao estudo, à conservação e à divulgação dos restantes aspectos que permitem conhecer de uma maneira mais profunda e mais abrangente essa comunidade;
Os grupos de folclore devem saber o que recolher, como recolher e, não menos importante, como devem conservar e preservar o espólio recolhido;
Os grupos de folclore não podem sobreviver sem o estudo, a classificação e o registo do material recolhido;
O folclore continua vivo e os grupos de folclore, mau grado alguns erros, são as entidades que melhor consubstanciam as diversas vertentes que interagem e integram os conceitos mais correntes sobre a dança, a música, o trajo e a poesia tradicional;
Os grupos de folclore deverão, tendencialmente, privilegiar o recurso aos instrumentos musicais tradicionais mais adequados à época representada, designadamente, os que ainda possuem memória dos sons autóctones locais;
Os grupos culturais dedicados ao cante alentejano devem criar condições para atrair jovens cantadores, abrindo-lhes as portas e acolhendo-os com entusiasmo e sem quaisquer complexos, disponibilizando-lhes os ensinamentos necessários;
Mau grado a escassa participação de autarcas da região do Alto-Alentejo, conclui-se que este Colóquio foi muito relevante, recomendando-se a divulgação deste texto por todos os municípios e juntas de freguesia da região.
Estremoz, 11 de Fevereiro de 2006

A Moda de Saias

A “Moda de Saias”
Na cultura tradicional portuguesa
– A moda de saias terá nascido no Alentejo. No entanto e em seu entender, com ou sem influência espanhola?
Não me parece haver influência espanhola nesta dança do Alentejo. A Saeta é uma cantiga que pode ou não ser de despique mas só cantada durante a Quaresma em toda a Extremadura espanhola e em especial durante as Procissões.
– O que caracteriza esta “moda”, no que respeita ao ritmo, à construção e ao conteúdo ?
De ritmo normalmente binário composto 6/8, as “saias” são danças colectivas com diversas formas de serem dançadas predominando as de roda. É uma dança de trabalho, quantas vezes de sedução.
– As “saias” são fundamentalmente uma cantiga de despique, de mal dizer, ou pode não ser nenhuma destas coisas ?
São na sua essência cantigas de despique / amor, onde a mulher tem um papel fulcral. Acontece muitas vezes ser também uma cantiga de escárnio e de mal dizer mas, onde está quase sempre subjacente o amor.
– Ouvimos por vezes anunciar “saias” como sendo de Campo Maior ou Alegrete, para mais não citar. Isto está correcto, ou as “saias” que de facto se espalham por todo o Alentejo, não são propriedade de terra alguma ?
A moda de “saias” não se circunscreve apenas ao Alentejo. Encontramos esta dança também na zona norte em especial na Beira Alta e Douro Litoral ,e também na Beira Litoral. Numa zona ou noutra com algumas diferenças de ritmo teremos então o compasso binário simples 2/4 e nem sempre cantigas de despique.
Não podemos de forma alguma focalizar esta dança a qualquer uma localidade pois ela dançou-se e dança em todo o Alto Alentejo. Podemos ainda assim localiza-las nos concelhos de Ponte de Sôr e Nisa a norte com um “sabor” bastante diferente dos concelhos de Campo Maior, Sousel ou Redondo, onde mercê da Serra de Ossa desaparece quase por completo. Começa aqui a sentir-se o Cante Alentejano – Cantadores de Montoito (Redondo)
– Há vários géneros de modas de “saias” – saias velhas, saias novas, saias aiadas por exemplo. Conhece outros géneros ?
A referência a saias novas ou saias velhas tem a ver com o seu aparecimento, isto é, saias novas eram aquelas que apareciam normalmente pelo S. Mateus em Elvas, a grande Romaria do Alto Alentejo para onde convergiam muitos romeiros e onde permaneciam durante oito a dez dias. Durante a sua caminhada para Elvas normalmente em carros, churriões ou charretes pernoitavam em várias localidades onde, sobretudo ao serão e em volta de fogueiras dançavam modas que apareciam ou apareceram durante o ano.
As saias velhas davam lugar às saias novas, muitas das vezes com formas de danças semelhantes.
As saias aiadas são aquelas em que cantador diz um ai quando canta o estribilho.
– Conhecemos algumas maneiras de cantar “saias”
Cantar os 4 versos seguidos, depois repetir o terceiro e o quarto e a seguir o primeiro e o segundo
Cantar o primeiro e o segundo e repetir, depois cantar o terceiro e o quarto e repetir
Cantar o primeiro e o segundo e repetir e depois cantar 3 vezes o terceiro e o quarto (ao que me dizem por exigência da dança). Conhece algum sítio onde isso aconteça ?
Conhece algum sítio onde se cantem os versos todos seguidos sem repetições ?
Quanto às alíneas a) e b) são as formas mais usadas para cantar saias e variam um pouco de terra para terra.
Quanto à alínea c) a dança, por norma submete-se à cantiga, pelo não conheço localidade onde esta forma aconteça.
Relativamente à alínea d) até pela forma intrínseca da moda de saias não conheço nenhuma localidade onde tal aconteça.
– Também por aqui as “saias” eram só cantadas ou cantadas e bailadas, com ou sem acompanhamento instrumental, Apenas dos dias de “sortes” a rapaziada dava volta às ruas acompanhados de um acordeonista que (só) as tocava. Conhece mais algum sítio onde isso acontecesse ?
Temos que dividir esta alínea em duas partes:
As modas de saias sempre foram só cantadas ou cantadas e bailadas com ou sem suporte musical. Não era por não haver quem tocasse que se deixava de cantar ou bailar. Isto por que não se conhece Instrumento musical que tivesse origem no Alentejo. O Harmónio é “importado” da Alemanha no último quartel do século XVIII dando posteriormente lugar à Concertina e ao Acordeão. A Harmónica ou Realejo entra em Portugal em meados dos anos 30 do século passado. As “saias” são bem mais antigas que estes Instrumentos musicais. Resta-nos o Adufe ou pandeiro.
São, ao som do pandeiro as mais autênticas.
b) Aquando das “sortes” o tocador tocava “saias” como tocava mazurcas,
chotices ou ainda outras modas de sabor popular. Isto acontecia em todas as localidades
– Onde estivesse duas mulheres, ou um homem e uma mulher logo se cantavam “saias”. Conhece alguma situação em que fossem cantadas homem com homem ou a três ? Ou nalguns momentos se cantavam em coro ?
Também temos duas partes a referir:
Era o mais usual as “saias” serem cantadas homem / mulher. Acontecia serem também cantadas por duas mulheres quando em “causa” estava um homem. Também muito raramente pois dois homens quando por meio estava uma mulher. Mas eram situações muito raras isto porque as pessoas eram muito recatadas, resguardavam-se e não entravam em situações que dessem azo a “falatórios”
Nunca ouvi cantar “saias” em coro, nem faz muito sentido dadas as suas características.
– Concorda que as “saias” estão para o Alto Alentejo assim como o “cante” está para o Baixo Alentejo ?
São duas formas de bem distintas do Alentejano manifestar a sua alegria e a sua tristeza.
Até pela natureza de interpretação são duas formas completamente diferentes. No “cante” por norma só entram homens nas “saias” há homem /mulher.
A paisagem geográfica condiciona uma e outra manifestação.
Parece-me haver ainda um longo caminho a percorrer para perceber e entender as “saias”. Será que temos tempo para isso ?
Sousel terça-feira, 27 de Abril de 2004

Crenças

Crenças, superstições e usos tradicionais
Meteorologia pastoril
O que mais preocupava o espírito dos camponeses era a chuva.
Há dezenas de prenúncios a este respeito sendo alguns bem extravagantes.
Para melhor compreendermos convém descrevermos a terminologia popular.
Comecemos pela chuva.
Os elementos em que se baseia toda a classificação popular são neste caso a duração, a intensidade ou a abundância.
- Aguaceiro
Chuva forte mas intermitente sempre acompanhada de vento.
Chuva de pedra – granizo - chuviscos
Análoga aos Aguaceiros diferindo na quantidade que neste é menor e sem serem acompanhadas de vento.
Murraceiros
Chuva miudinha e persistente sem vento e com temperaturas mais elevadas.
Orvalheiras
Chuva das madrugadas de Verão a que também se chamam de choradeiras.
Branduras
Chuva parecida aos murraceiros mas acompanhada de brisa do Sul e com temperaturas elevadas.
As Nuvens
Também têm a sua classificação.
Rabos de gato ou de galo, quando se apresentam sob a forma de rectas ou curvas
Céu pedrento quando se apresentam em círculos
Castelos prenuncio de trovoadas
Aguaceiros ou céu velho quando se apresentam com auréola ou esplendorosas.
Ventos
Vento Norte ……………….. N
Travessia alta ……………… NW
Travessia ………………….. W
Travessia baixa ……-……… SW
Vento Sul ……………….…. S
Vento de Espanha ….........… NE a SE
Quanto à velocidade
Viração – Vento fraco do Sul no Verão
Arilho – Vento fraco e frio
Brisa – Vento regular e húmido
Ventinho – Vento mais forte
Ventania – Vento forte e ás rajadas
Rajadas – Vento incerto
Salseiro – Vento baixo e violento
Furacão – Vento muito violento
Nortadas – Vento do Norte
Suão – Vento morno do Sul
Quando ao cair da noite os mochos piam muito esperam-se nevoeiros e as névoas trazem chuvas.
Quando as galinhas se catam olha-se para onde tem a cauda virada pois a sua posição indicam donde virá a chuva.
Quando ao pôr do Sol as milheirinhas cantam em grandes bandos espera-se chuva para breve.
Quando os corvos crocitam vem aí temporal.
Mesmo sobre o corpo humano se fazem observações meteorológicas.
A chuva é anunciada pela comichão no nariz e nos ouvidos.
O mesmo indica a dor nos calos ou nos ossos.
Há épocas em que as chuvas tomam nome especial.
Em Abril - Águas mil coadinhas por um cantil
Em Maio – Chuvas de Maio fazem a gente formosa
Em Junho – Orvalheiras de S. João
Águas verdadeiras pelo S. Mateus as primeiras
Em Outubro – Cordoadas de S. Francisco.
Os rapazes cantam para pedir chuva:
Chove ! Chove ! Chove
Galinha á mol
Que Nosso Senhor
Nos dará pão mol
Para parar de chover
Esteita ! Esteita ! Esteita !
Um saco de areia
Espalha ! Espalha ! Espalha !
Um saco de palha
O arco íris a que se chama também o arco da velha ou ainda arca da aliança é também mimoseado pelos rapazes com esta quadra
Arco da Velha
Tira~te daí
Que as moças bonitas
Não são para ti
O povo tem muitas máximas relativas à chuva:
-Não há rega como a do céu
-Há chuva que seca e sol que rega
-Chuvas na Ascensão, das palhinhas faz pão
-Portugal para ser Portugal há-de ter cheias antes do Natal
-As névoas fazem amadurecer os figos
-Ano de muita água ano de pouca mágoa
-Ano pingueiro enche o celeiro
-A água é o sangue da terra
-Mais vale chover que nevar
Em todas estas observações, algumas bastantes ingénuas, o homem tenta compreender a natureza para se prevenir ou para aproveitar na sua luta pela vida.
Lendas e Romances
A Pastorinha da Lapa
Recolhido no concelho de Elvas
Inda agora vim da Lapa
Quem me dera lá voltar
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada
Só para ver a pastorinha
Que lá ficava assentada
Com uma roquinha á cintura
E uma cestinha á ilharga
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Foram dizer ao marido
Que ela andava enamorada
E ora valha-me Deus
Valha a Virgem Sagrada
Com um sacerdote de missa
E ele na missa não dizia
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Confessa-te, mulher minha
Que hoje te tiro a vida
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
Quer m’a tires, quer m’a deixes
Essa tenção era minha
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
Peço-te marido meu
Que me enterres na ermida
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Lá acima ao altar mor
Aos pés de Santa Catarina
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Lá no fim de nove meses
Um lindo cante se ouvia
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Quer por dentro, quer por fora
A ermida retinia
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Foram dizer ao marido
Menina que era nascida
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
São José a baptizava
Nossa Senhora era a madrinha
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
- Aqui tens marido meu
A vida em que eu andava
Ai Jesus valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Quem a Virgem serve bem
Sempre lhe dá boa paga
Ai Jesus valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Frei António
Recolhido no concelho de Elvas
Levantou-se frei António
Uma manhã de madrugada
Bate à porta da morena
Morenita mal casada.
Abre-me a porta Morena
Morena da minh’alma.
Não posso frei António
Frei António do coração,
Que tenho meu filho ao colo,
Meu marido pela mão.
O que é isso, ó mulher minha
A quem dás as tuas falas ?
Foi o filho da padeira
Que perguntou se amassava
Se amassava pão de leite
Que não lhe deitasse água
E se era de trigo
Lhe deitasse pouca água.
Levanta-te, bela mulher,
Vai tratar da tua casa.
Levanta-te, ó homem meu
Vai tratar duma caçada,
Manda-me de lá uma lebre
Para á noite t’a ter guisada.
O marido que saía
Ela bem se enfeitava
Ao convento foi passar.
Por Frei António perguntava.
Frei António assim que a viu,
Em vez de correr saltava
Dava-lhe belos bolos
Talhadas de marmelada
E pela mão a levou
Á cela onde dormitava
Ela que vinha para casa
O marido que encontrava.
Onde foste mulher minha
Que vens todo enfeitada?
Venho de dar uns parabéns
Pertencentes a nossa casa
A nossa prima Francisca
P’lo filho que Deus me dava.
Fizeste bem, mulher minha
Fizeste tu, como honrada
Agora o que mereces é uma sai nova.
A primeira que lhe deu
Foi com a tranca da porta
A segunda que lhe deu
Foi co’a tumba já á porta.
Este romance com algumas nuances também se encontra na tradição oral doutras zonas do país

Apontamentos sobre a Olaria no Alentejo

Antes de mais devo referir que estes apontamentos não pretendem de forma alguma ser um trabalho exaustivo sobre a cerâmica do Alentejo pois ele está quase vazio de referências históricas e da própria evolução que os oleiros e barristas, paulatinamente lhe vieram a conferir ao longo de séculos mantendo no entanto uma tipologia arcaica salvaguardando velhas tradições legadas por várias civilizações ibéricas.
Nem em todas as localidades havia barro pelo que esta actividade esteve e de certo modo ainda está ou estava circunscrita no distrito de Évora às seguintes localidades:
Estremoz
Redondo
S. Pedro do Curval – Reguengos de Monsaraz
Viana do Alentejo
E no distrito de Portalegre:
Nisa
Arronches – há muito extinta
Flor da Rosa – Crato
Campo Maior – Talhas grandes
A olaria de Viana do Alentejo e a de Flor da Rosa foi sendo caracterizada através dos tempos pelo seu aspecto aparentemente grosseiro, devendo-se sobretudo à não existência de, nas peças ali fabricadas de motivos decorativos.
Isto é, as peças de Viana e Flor da Rosa são sobretudo cerâmica muito simples e popular, inspirada na dos povos mais primitivos com especial predominância para as de uso doméstico.Aqui encontramos os tradicionais alguidares vidrados e que se destinam a ser utilizados nas tradicionais matanças do porco e na amassadura do pão. Para além dos alguidares podemos destacar entre as muitas peças tradicionalmente fabricadas: as bilhas, barris e cântaros para a água (quarta). Fogareiros, vasos para flores, panelas e barranhões e ainda tarefas, também chamadas talhas para as azeitonas.
Também em tempos eram fabricados os alcatruzes para as noras que, em muitas zonas do Alentejo e, possivelmente devido á existência de inúmeros oleiros eram fabricados em barro. Hoje face a outras formas de rega as noras deixaram de ter essa utilidade.
Em Campo Maior há muito que se deixaram de fabricar as talhas, recipientes grandes e bojudos onde se colocava o mosto das uvas para aí fermentar até se fazer vinho.
Antes das especificidade doutros locais refiro de seguida como aqui se preparava o barro.
A argila era cavada e transportada para a olaria,
Já na olaria, a argila era exposta ao sol para que se possa partir mais facilmente em pequenos bocados “misgalhar o barro”. Sobre a argila partida é deitada água, de preferência com um regador, para que esta seja totalmente absorvida. Era natural fazer-se esta operação ao final do dia para que, durante a noite o barro fosse amolecendo. Era de seguida amassado com a mão e colocado em monte. O oleiro subia para cima e, colocando um pé ao centro servindo de apoio e rodando no sentido dos ponteiros do relógio, esmagava os bordos com o calcanhar, que progressivamente se ia enterrando. Depois de amassado passava de seguida à detecção de impurezas e corpos estranhos, utilizando para o efeito a sua própria mão que faz separar por pequenos blocos de barro.
Todo o trabalho de preparação do barro demorava cerca de hora e meia.
A roda é o principal utensílio do oleiro.
A roda mais antiga, a mais simples, é a denominada roda baixa, movida com a mão. Era utilizada já pelos egípcios, como testemunham os frescos de há 2000 mil anos A. C. existentes nos túmulos de Tebas e reproduzidos por A Brongniart e Joaquim de Vasconcelos, nos seus estudos sobre cerâmica.
Este tipo de roda ainda hoje é utilizado mas no norte de Portugal. No Alentejo não se encontram vestígios da sua utilização.
Os oleiros do Alentejo utilizam outro tipo de roda, mais alta, accionada com o pé e de origem árabe. É montada numa espécie de mesa denominada “arquina”, onde é colocada uma placa de madeira, uma tigela com água e bocados de barro.
Trabalhar com a roda exige grande vocação, prática e perseverança, para se conseguir uma sincronização perfeita entre os pés e as mãos e uma velocidade constante e uniforme. O pé imprime o movimento e controla a velocidade, enquanto as mãos vão transformando o barro colocado sobre a roda, subindo-o, alargando-o até se atingir a forma final que o oleiro idealizou.
Cortada a peça pela base, com um fio ou arame, a peça é retirada e colocada em local a secar de maneira a ficarem apenas com a humidade ideal e só depois seguia para o forno. O tempo de secagem é variável dependendo de vários factores; espessura da peça, condições das instalações e condições atmosféricas.
Os fornos eram geralmente construídos no pátio da casa do oleiro. São descobertos, sem chaminé, protegidos dos ventos por paredes de alvenaria, geralmente cobertas por uma abóbada protegida com telhas e eram constituídos por dois espaços.
Na parte inferior ou caldeira onde se mete a lenha por uma abertura frontal.
A caldeira está separada da parte superior, câmara de cozimento ou forno propriamente dito, por um pavimento de tijolo fino para facilitar o aquecimento. O tempo de cozedura é variável.
Normalmente a cozedura é feita de noite, pois este tipo de fornos não tem qualquer indicador de temperatura, tendo o oleiro que espreitar a cor das peças, através de uma vigia para saber se já estão cozidas, colocando, no caso de a cozedura ainda não estar acabada, mais lenha sob as peças mais cruas.
As peças ao serem colocadas no forno “enforna” têm de obedecer a uma técnica apurada de maneira a que o fogo seja distribuído de igual modo por todas elas. A lenha é introduzida lentamente – 2 a 4 horas – “período resquente”, evitando-se a mudança brusca de temperaturas que poderia ocasionar que as peças se quebrassem. O tempo de cozedura é variável, dependendo da posição das peças, da qualidade e da quantidade de lenha.
Relativamente à olaria de S. Pedro do Curval e do Redondo são peças essencialmente de uso doméstico, isto é, pratos grandes e pequenos, terrinas, tigelas, cafeteiras, azeitoneiras, bacias, penicos, etc.
Distingue-se pelo decoração efectuada em cada peça e as cores dessa decoração.
Decoração simples, ingénua e tendo como motivos essencialmente rurais, de fauna e flora e por vezes de amor com frases ou quadras alusivas a este sentimento.
As cores usadas eram o azul, feito à base de sulfato de cobre e o verde à base de bicromato de potássio. O vermelho, quando usado era feito de uma aguada feita a partir do barro vermelho.
Por norma a louça aqui produzida é vidrada para que possa oferecer uma maior resistência ao uso.
Ao norte do distrito de Portalegre temos a vila de Nisa. Situada entre o Ria Tejo e o Sever, que a separa de Espanha. Pelo concelho passa a Ribeira de Nisa que desagua no Tejo, existindo ainda, no seu alfoz, algumas nascentes importantes, entre as quais se salientam as da Galiana.
Está geologicamente integrada no complexo xisto-gresoso das Beiras, proporcionando aos oleiros um barro de fraca plasticidade e que racha facilmente. Apesar da má qualidade do barro e da dificuldade maior em o obter, a cerâmica de Nisa só se mantém graças a uma evolução técnica muito apurada.
Há uma certa diferença na preparação do barro em Nisa.
O barro é decantado e purificado por meio de lavagem, coamento e sedimentação.
Na composição da pasta entram três espécies de barro;
Barro branco – argila fracamente arenosa, branca, com alguns laivos vermelhos, de consistência gomosa, da Idade Terciária;
Barro preto - silto argiloso de côr parda, micro-vacular, fracamente denso;
Barro vermelho – argila siltosa, fracamente arenosa, muito ferruginosa, de côr acentuadamente vermelha, da Idade Terciária.
A modelação é inteiramente manual. Apenas no alisar da superfície exterior das peças se utiliza um pequeno rectângulo de pano, normalmente de lã, denominado aplanata e um pedaço de cana bravia afeiçoada em forma de trapézio com cerca de 15 cm.
De entre as peças mais conhecidas e mais populares temos a bilha de asa, o pote ou asado de pucarinha e o pote ou asado de barrete de S. Pedro.
Muito procuradas também são: a garrafa, o cantil e o barril.
O prato de parede é essencialmente decorativo.
Voltemos ao barril, que em Nisa toma o nome de moringue. É um barril de mama ou de duas bicas, peça evoluída de uma forma básica, por adaptação de bocais e asa.
O barril de carro peça integrante dos utensílios do pastor e do carreio, proporcionando a este último dessedentar-se nas grandes travessias despovoadas e secas.
Sob o aspecto de ornamentação, o oleiro de Nisa soube criar um tipo decorativo muito artístico.
Para decoração é usada a pedra branca – quartzo leitoso -, que sofre também uma operação preliminar fundamental que tem por fim, por meio de fundição a que é submetido, tomar um aspecto mais branco e oferecer menos resistência na redução a pequenos fragmentos. É tratado da seguinte forma:
Cozido no forno, com lenha grossa, a alta temperatura, o quartzo é, depois de arrefecido, esmigalhado com o auxílio de seixo de quartzite. Os fragmentos são joeirados para apuramento, seleccionando-se dois tamanhos empregados depois na decoração.
Com manifesta preferência pela utilização dos círculos, semicírculos e formas rodadas, a decoração da cerâmica de Nisa, apresenta um substrato cultural indígena e a aplicação de motivos tradicionais, constitui, contudo pela delicada estilização, uma decoração típica, única no país.
De técnica evoluída, a cerâmica de Nisa mantém uma tradição milenária, conservando a mulher associada à sua elaboração. E, tendo sido no período Neolítico, um trabalho exclusivamente de mulheres, são ainda elas e alguns utensílios femininos que intervêm no seu acabamento, pelo que, antes da peça ser cozida no forno, é riscada com uma agulha de cozer roupa, segundo o gosto da artesã, instruída desde menina, na tarefa decorativa da olaria de Nisa. Acabado o desenho incisivo de agulha a peça é pedrada, tendo o cuidado de se introduzir na peça a extremidade angular do quartzo, ficando para p exterior a superfície plana da maior faceta do fragmento, carregando-o com a unha do polegar, para o fixar bem.
Pedrar é, de todo o labor desta cerâmica, a tarefa mais delicada e paciente e aquela que lhe imprime um verdadeiro cunho artístico.
É a tarefa de transformar uma peça tosca numapequena maravilha.
A sua delicadeza e perfeição técnica verifica-se passando a mão sobre a superfície pedrada da peça sem conseguir encontrar maiores saliências ou falta de uniformidade.
Deixamos para o fim Estremoz.
É do Alentejo provavelmente a mais antiga, a mais conhecida e a mais diversificada. Já no foral datado de 1259, reinando D. Afonso III encontramos uma referência aos barros de Estremoz ... e o moradores deEstremoz aiam livremente tendas e fornos de pam e de dollas. E dos fornos de telha dêem dízima ...
Uma segunda citação regista-se igualmente no foral de D. Manuel I, datado de 1512 ... da telha e tijolo que se fizer na dita villa en termo para vender se pagará dízima e se sse tirar pera fora per omens de foraa dous reaaes por carga mayor ...
É a terra onde se encontra o barro vermelho mais fino e mais estimado de todo o Portugal.
Em 1571 o cardeal Venturini, secretário legado Pontificio numa das visitas à corte portuguesa diz-nos que sobre a mesa estava um vaso de prata cheio de água do qual se deitava em um de jarro, chamado na língua portuguesa púcaro, do feitio de uma urna antiga, da altura de um palmo e feito de barro vermelho subtilíssimo e luzidio, que chamavam barro de Estremoz, pelo qual o Rei D. Sebastião bebeu seis vezes.
Na correspondência de Filipe II para as suas filhas Isabel e Catarina falava nos “mimos” que representavam os púcaros de Estremos.
Ao pintar o quadro “Las Niñas”, Velasquez faz figurar um púcaro de Estremoz sobre uma salva de prata que uma das damas tem na mão.
No último quartel do século XIX começaram a surgir novos modelos para além da louça vidrada, polida ou riscada, da tradição oleira local:
Bilha
Asado
Barril
Prato
Moringue
Púcaro
O prato este pertenceu a todas as civilizações ainda que com características próprias.
A bilha de Estremoz também é pedrada à semelhança da de Nisa, no entanto a sua decoração é bem mais simples.
A olaria de Estremoz nas suas peças mais famosas era enriquecida por figurado de animais ou pedrinhas ou ainda vegetação por onde a água serpenteava ciando ou cantando segundo os acidentes e o contacto com o barro poroso.
O barril e o asado são reminiscências da ocupação romana.
Para a construção civil fabricavam-se telhas, telhões, tijolos, ladrilhos, remates de beirais, etc.
Depois nascem os vasos ornamentais, colunas para salas, pratos com fruta e outra louça de ornamento.
Não menos importante que os pucarinhos temos os bonecos de Estremoz.
Perdidas no tempo estão as origens da arte bonecreira. Sabemos que no século XVIII eram feitos e muito admirados os bonecos de Estremoz, arte quase exclusiva de mulher.
Por volta de 1930 foram dados passos decisivos para salvar esta tradição. É desse tempo a colecção de bonecos exposta no Museu Municipal. Grande parte deles foram adquiridos pela autarquia ao Engº Reis Pereira, irmão do poeta José Régio, que por sua vez a adquiriu e reuniu ao longo de 30 anos.
Conhecem-se:
Presépios de trono ou altar, autênticas maravilhas sobretudo pela simplicidade e ingenuidade;
Santos de devoção nacional, Senhoras com manto, com o Menino ao colo, Senhora na mula com o Menino ao colo e S. José, etc;
A Procissão com cerca de 70 peças
Bonecos de feição regionalista – aguadeiro, leiteiro, pastor, namorados junto ao poço, mulher a fiar, etc, etc.
A gama de cores usadas não conhece limites, no entanto prevalecem o verde, o azul, o vermelho, o zarcão, o amarelo, o branco, o roxo, o laranja e o preto.
Estas tintas eram feitas à base de terras ou óxido , que se diluíam em água misturando-lhe grude.
Existiam também brincos e bonecos de assobio, que eram o encanto das crianças.
Porque vivemos numa sociedade humana num momento particularmente importante, porque rico de contrastes, entendemos que o regresso de certas áreas das artes tradicionais às escolas, devidamente programadas e devidamente assistidas em simultâneo por professores e artesãos, seria benéfico inflectindo assim a marcha no sentido cultural.
Como referi no inicio, não é um trabalho sobre a olaria no Alentejo, pois muito mais havia para dizer é isso sim, uma tentativa de dar a conhecer valores herdados e que são parte do património do povo a que pertenço.
É que nunca é tarde para preservar as nossas tradições, se o tarde for agora.

Conversa sobre Saias

Folclore
Palavra de origem inglesa, criada em 1846 por Jonh Thomas, é formada por Folk que é povo e lore que traduz cultura, tradição, assente em lendas, costumes, orações, superstições e outras derivantes.
Um dos problemas mais complexos e intrincados que se põe aos coreólogos e aos folcloristas que estudam a dança, é a autenticidade étnica de cada dança. A este respeito convém não esquecer que as fronteiras antropológicas e etnológicas, logo folclóricas, não correspondem necessariamente nem às fronteiras administrativas, na medida em que aquelas nem sempre foram traçadas por vontade dos povos a que dizem respeito ou por razões de ordem étnica, mas sim em virtude de conflitos bélicos e tratados políticos, e estas as administrativas foram sempre tratadas por razão de ordem burocrática e de comodidade.
Dado que este trabalho não é de forma alguma um ensaio sobre a dança, não iremos abordar esse tema sedutor que é a origem da dança – porque é que o homem dança ?
Diremos apenas que a dança se insere nas liturgias antigas e destas se parte para o drama liturgico, e se torna mais tarde em mera diversão, o que logo conduz à sua inserção na festa – já que é na festa popular que as danças tradicionais têm a sua origem.
Leite de Vasconcelos que andou por todo o Alentejo onde realizou trabalhos de campo, deu-nos preciosas informações sobre danças tradicionais, mas é certoque nunca aprofundou o suficiente para que nos dias de hoje possamos ter certezas.
Igualmente Lopes Graça e Michael Giacometti lamentavelmente nunca aprofundaram o estudo das danças populares, embora nos tenham legado um extenso e valioso património.
Desgarradamente esse trabalho tem sido abordado e está disperso por várias obras ainda que com algumas lacunas o que nos leva pensar que muito há por fazer.
E terá que ser feito por coreólogos ou etnocoreólogos que não há muitos em Portugal, mas urge, porque mais hoje mais amanhã as fontes de recolha desaparecem.
Relativamente às danças populares portuguesas houve desde sempre a necessidade de precisar quais as de carácter folclórico, populares ou popularizadas.
Folclóricas são as tradicionais dançadas essencialmente nos meios rurais ou suburbanos;
Populares são aquelas danças criadas ou que tiveram origem no povo;
Popularizadas são as danças extrapopulares que o povo adoptou porque gostou delas.
Como já referido está por fazer a Carta da Dança em Portugal. Se essa Carta vier a ser feita teremos que muitas danças apresentadas hoje, algumas delas têm origem no século XVI – de origem palaciana- que o povo adoptou à sua mentalidade. Durante o século XIX tornou-se frequente a lenta transformação da dança tradicional.
Basta ver nos dias de hoje, pese embora grandes adulterações feitas, o ar nobre e altivo em muitas das danças dos nossos Grupos de Folclore.
Estou em crer que nada vou adiantar sobre o tema proposto – As Saias -, todos sabemos que é umadança cujo simbolismo e forma muito tem a ver com o Alto Alentejo, até porque morfologicamente ela é realçada pelo homem e pela mulher, em toda a sua simplicidade e beleza.
Mercê de uma aculturação que é por demais evidente teremos que a moda de Saias é dançada também em certas regiões do Ribatejo, Beiras, Estremadura e aparece-nos ainda que muito acidentalmente no Douro interior.
Coreográficamente a interligação e desenvolvimento das marcações, gestos, poses e movimentos são da maior importância, porque permite exprimir precisamente o simbolísmo atrás referido.
Porque dançadas no Alto Alentejo e dada a proximidade com a Extremadura espanhola vários etnógrafos aparentam as Saias com a Jota, a Seguidilha e com a Saeta.
Com a Jota e a Seguidilha há de facto alguma similitude, à semelhança com outras danças características doutros pontos do país, no entanto, quanto à Saeta tal já não faz sentido pois esta muito raramente é dançada. A Saeta é cantada, de caracter religioso e cuja interpretação é quase obrigatória por altura da Semana Santa, em especial durante as procissões.
Há registos que já no final do século XVII se dançavam as saias em toda a zona – hoje Alto Alentejo – embora com estilo diferente e muito ao sabor da Andaluzia.
Como já referido as saias é uma moda característica de toda a província do Alto Alentejo, podemos no entanto localizá-las nos concelhos a norte Ponte de Sôr e Nisa (aqui modas de estralos) com um sabor bastante diferente dos concelhos de Campo Maior, Sousel, Avis ou Fronteira.
Na vila de Redondo, onde mercê da Serra de Ossa desaparecem quase por completo. Começa aqui a sentir-se o Cante Alentejo – Cantadores de Montoito (Redondo).
Esta dança apresenta-se-nos em várias formas:
Saias Velhas – mais antigas dançadas em forma de valsa-mazurca
Saias Novas – dançadas nos dias de hoje em forma de valsa campestre.
Ainda que com estas pequenas diferenças, as saias velhas ou novas têm mais a ver com o seu aparecimento, isto é, saias novas eram aquelas que apareciam normalmente em finais de Setembro, pelo São Mateus em Elvas, a grande Romaria do Alto Alentejo para onde convergiam muitos romeiros e onde permaneciam durante oito a dez dias.
Durante a sua caminhada para Elvas, normalmente em carros, churriões ou charretes – puxados a mulas ou cavalos – pernoitavam em várias localidades onde, sobretudo ao serão e em volta de fogueiras dançavam modas que iam aparecendo ao longo do ano.
As saias velhas davam lugar às saias novas, muitas vezes com formas de dançar semelhante.
Saias Aiadas – são aquelas em que o cantador grita um “ai” no estribilho, indicando desta forma a volta.
Há quem defenda que haverá outra forma de dançar saias, as puladas. Em meu entender e como já referi as saias são dançadas de forma valseada, com os pés bem rentes ao chão, pelo que não faz sentido Saias Puladas.
A moda de saias varia um pouco de região para região, havendo até mesmo estilos diferentes na mesma região.
De quadrilha, de roda ou em coluna. Acontece e não poucas vezes que o mesmo grupo de pessoas ao toque do tocador possam elas mesmo evoluir na mesma dança permitindo-lhes várias marcações. É disso exemplo as Saias de Longomel, freguesia de Ponte de Sôr ou a Martunheira na zona de Portalegre.
Pode também acontecer que durante o mesmo toque grupo de pessoas se combinem para as dançar em estilos diferentes.
As Saias são por natureza cantadas havendo sempre um tema que poderá ser de amor, de escárnio ou mal dizer, mas sempre um despique/desafio.
São por norma cantadas por homem e mulher. Podendo também ser cantadas por duas mulheres quando há um homem por “meio” ou até por dois homens quando haja uma mulher em disputa. Eram no entanto situações muito raras pois o povo não se expunha com facilidade, era bastante discreto.
Como já referi as saias eram dançadas ao som do canto do homem e da mulher.
Como forma de interpretação teremos:
Cantar os 4 versos seguidos, repetindo o terceiro e o quarto e a seguir o primeiro e o segundo
Cantar o primeiro e o segundo e repetir e depois cantar o terceiro e o quarto e repetir.
Raras vezes acontecia cantar-se a quadra seguida passando imediatamente à quadra seguinte.
Como exemplo de uma moda de saias teremos – Saias do Adro – do Rancho Folclórico dos Fortios – concelho de Portalegre cuja coreografia é a seguinte:
Compassada, com um ritmo lento e melodioso. Não são batidas, são sempre valseadas e dançadas em roda.
Na marcação inicial, os homens vão ao meio girando sobre si mesmos para o lado direito valseando. Quando chega ao centro da roda juntamente com os outros homens, p sentido muda, gira para a esquerda e retoma ao sitio onde principiou. O homem faz isto no o período que ocupa a primeira quadra da música enquanto a mulher valseia na posição inicial.
A quadra é dobrada e inverte-se a situação, é a vez da mulher proceder exactamente da mesma forma que o homem executou, enquanto o homem valseia no mesmo sitio de onde arrancou.
Na segunda parte em que a mulher canta, os pares agarram-se e valseiam no mesmo sitio, depois a quadra é dobrada e os pares valseiam agora, mas em roda.
Esta marcação é repetida duas vezes, de acordo com a letra das saias, que é composta por 4 quadras que são dobradas.
De referir que as modas de saias sempre foram só cantadas ou cantadas e dançadas com um suporte musical. Não era por não haver quem tocasse que se deixava de cantar e dançar.
Isto porque não se conhecendo Instrumento Musical que tivesse origem no Alto Alentejo, eu defendo há muito que a Viola Campaniça (*) também aqui se tocava em várias funções, muito embora a sua implantação tenha raízes mais acentuadas no Baixo Alentejo onde nos dias de hoje ainda encontramos meia dúzia de tocadores o que não acontece no Alto Alentejo, pois à cerca de 50 anos que não se conhece tocador. O Harmónio é “importado” da Alemanha no último quartel do século XVIII dando posteriormente lugar à Concertina e ao Acordeão.
A Harmónica ou Realejo entra em Portugal em meados dos anos trinta do século passado.
As Saias são bem mais antigas que estes Instrumentos Musicais.
Resta-nos o Adufe de origem árabe e o pandeiro. São ao som do pandeiro as mais autênticas.
Como já referi a carta da Dança Popular Portuguesa não está feita. Desse trabalho que por certo ainda será realizado devem constar todas as danças conhecidas, sua origem, marcações coreográficas e geográficas, estilos, etc e por certo porque se chamam Saias a moda mais característica do Alto Alentejo.
(*) Hoje estudiosos na área da musicologia já concordam comigo no que diz respeito ao uso da Viola Campaniça em algumas localidades do Alto Alentejo.
Aos cinco de Junho de 2004.