quarta-feira, 7 de maio de 2008

Contos da tradição

A Princesa Encantada
Havia noutro tempo num rei e que tinha uma filha muito sábia e que disso tinha muito bazófia
Um dia ela pediu ao pai que mandasse deitar um pregão para que toda a gente viesse ao palácio responder ao que ela perguntasse.
Assim se fez mas com a promessa de quem se fosse mulher que respondesse bem teria uma boa recompensa e fosse homem casava com a princesa.
Com tão boa promessa veio toda gente ao palácio , mas ninguém sabia responder às perguntas feitas pela princesa.
Faltava um lavrador, que disse para um criado que lhe aparelhasse a égua para ir responder á princesa.
O criado que era muito bruto mas ladino disse-lhe:
Ó meu amo deixe-me ir também.
Ó alarve que hás-de tu responder
Não sei, mas tenho cá uma daquelas impressões que hei-de saber responder.
O lavrador riu-se muito, mas disse que sim e, o rapaz foi vestir o seu fato domingueiro mas passando por uma méda de lenha tirou uns poucos de paus que meteu no bolso e o mesmo fez a um ovo de uma galinha que acabava de pôr.
O lavrador viu e nada disse mas o rapaz disse-lhe:
- Ande lá meu amo que tudo serve.
Montaram-se os dois cada um em sua égua e foram a caminho do palácio.
O lavrador no meio do caminho teve uma necessidade, apeou-se e foi satisfazê-la. O criado tirou do bolso um lenço de seda, apanhou a merda e guardou, como tinha feito à lenha, dando a mesma resposta ao amo – de que tudo servia.
Chegaram, e o lavrador foi o primeiro a ir ouvir a princesa mas nada soube responder e mandou o rapaz visto que eram admitidas pessoas de todas as classes.
A princesa abriu uma porta e disse:
Eu sou um fogo
Frite-me lá este ovo, disse o rapaz.
Não tenho lenha disse a princesa
Aqui estão uns pauzinhos
Você é um porco
O moço tirou do bolso o lenço de seda onde tinha guardada a merda do amo e disse-lhe aqui tem uma prova.
A princesa ficou desesperada por ser aquele bruto a única pessoa que lhe tinha sabido responder, mas como palavra de rei não volta atrás o rei lá casou filha com o moço.
E o Senhor seja louvado porque o meu conto está contado.
A Velha
Era uma vez uma velhinha muito velha, muito amarrecada que, andava sempre a pedir esmola, fazendo uma grande lamúria: - que não tinha ninguém, que era muito desgraçadinha, que estava para ali abandonada, etc etc.
Mas dizia-se que a velha tinha em casa muitos haveres e, por isso um dia, enquanto a velha foi à fonte, um ladrão entrou-lhe em casa e meteu-se debaixo da cama.
A velha quando entrou em casa viu-lhe um pé.
Esteve quase para gritar mas teve medo que ele a matasse e por isso nada disse, mas deixou a porta da rua aberta.
No quarto, a velha tinha uma cómoda em cima da qual tinha um oratório com um crucifixo e vários santos.
Ajoelhou-se pôs-se de mãos postas e erguidas e começou a dizer
Ó meu Senhor eu quando era moça namorava um rapaz muito bonito, depois meu Senhor casei com ele e quando vim para casa tirou-me o véu. E já falando bastante alto - - que vergonha meu senhor !
Depois tirou-me o vestido, ai que vergonha que eu tenho de dizer estas coisas.
Depois foram as saias, as botas. E já a gritar - ai, ai, ai que vergonha a minha.
Os vizinhos ao ouviram aquela gritaria toda, acudiram para ver o que era. A velha assim que sentiu gente em casa, sem mudar de posição gritava – Vejam debaixo da minha cama que está lá um ladrão.
Os vizinhos foram ver e lá estava o homem que levou uma bela sova e assim se livrou a velha de ser roubada e morta.
E o Senhor seja louvado que o meu conto está acabado.
O Baguinho de milho
Era uma vez uma mulher e um homem que queriam ter um filho ainda que fosse ao menos do tamanho de um bago de milho.
Passado algum tempo a mulher teve um filho que era mesmo desse tamanho fazendo-lhe assim Deus a sua vontade.
Um dia o filho quis ir levar o jantar ao pai e a mãe deixo-o e ela lá abalou com o tarro e o talego.
Chegou lá, entregou o jantar ao pai e ele, o baguinho de milho foi-se pôr a brincar em cima de uma folha de couve, mas veio um boi e comeu-o. Ele começou a gritar lá de dentro da barriga do boi;
Pai, mate o boi que eu dou-lhe dinheiro para comprar três ou quatro bois.
O pai matou o boi e saiu o baguinho.
Para que pudesse arranjar o dinheiro para cumprir com o que tinha dito ao pai o baguinho foi-se a correr mundo e chegou a uma casa onde estavam uns ladrões e ouviu o capitão dizer:
Fechem bem as portas não veja alguém o que vamos fazer.
E começaram a repartir o dinheiro dos roubos. O baguinho pôs-se no meio da mesa. Um dos ladrões deu-lhe um encontrão e o baguinho foi contra uma parede e pôs-se aos gritos:
Não me empurre, não me empurre.
E pôs-se outra vez no meio da mesa. Feitos os repartimentos, disse o baguinho de milho:
Ainda falta um quinhão:
Respondeu o capitão:
Ainda falta um quinhão ? Eles já todos têm, mas pôs uma bolsa em cima da mesa para quem a quisesse apanhar.
Diz o baguinho de milho:
Não é para quem a quisesse apanhar, essa é para mim.
E depois foram jantar. Ele também quis comer e deram-lhe de jantar. Depois de barriga cheia, o baguinho de milho meteu-se dentro da bolsa do dinheiro e foi rebolando para casa da mãe que já tinha muitas saudades suas.
De seguida foi procurar o pai para lhe dizer:
Eu bem lhe tinha dito que lhe arranjava dinheiro para comprar três ou quatro bois.
Ficaram todos muito contentes e o Senhor seja louvado que o conto está acabado.
O Copo de oiro
Era uma vez um rei e uma rainha que viviam muito desgostosos porque não tinham filhos. E muito pediram a Deus que lhe desse um filho e que quando o filho tivesse 18 anos iria ele próprio a Roma sozinho pagar uma promessa. Foram ouvidos por Deus e ficaram muito contentes quando nasceu o príncipe.
Quando ele se ia aproximando dos 18 anos começaram os pais a andar muito tristes porque o filho tinha que ir sozinho a Roma pagar a promessa.
Chegados aos 18 anos preparou-se para partir para Roma e a rainha quando dele se despediu, deu-lhe um copo de ouro e deu-lhe três pêras, dizendo-lhe que as não partisse sozinho, que as partisse acompanhado e que só aceitasse por companheiro de viagem aquele que lhe desse o bocado maior e que nunca acompanhasse com aquele que lhe desse o bocado mais pequeno.
O príncipe saiu de casa para cumprir a promessa. No meio do caminho encontrou um homem ao pé de uma fonte e pediu-lhe que partisse uma das pêras e o homem deu-lhe a parte mais pequena e não acompanhou com esse homem. Encontrou outro junto de outra fonte e que lhe fez o mesmo e, á última pêra encontrou, junto de outra fonte outro homem e este deu-lhe o bocado maior e foi com este que ele acompanhou. Fizeram-se amigos e lá partiram os dois para Roma.
Em todas as hospedarias ficaram sempre no mesmo quarto, e quando chegaram à última hospedaria, á hora da ceia, o príncipe tirou do saco o copo de ouro para beber água e a dona da casa não tirava os olhos de cima do copo e o companheiro reparou nisso.
Quando disseram que se queriam ir deitar e que queriam dormir juntos, a dona da casa disse que não era costume naquela hospedaria dormirem duas pessoas no mesmo quarto e eles ficaram muito tristes.
Cada um foi para o seu quarto e pela noite adiante ela foi ao quarto do príncipe, matou-o e tirou-lhe o copo, depois escondeu o cavalo e ao príncipe levou-o para uma estrumeira a enterrar.
Pela manhã, quando o companheiro se levantou e perguntou por ele, a dona disse-lhe que ele tinha abalado e ele ficou muito admirado e não acreditou.
Foi dali a casa do juiz e contou-lhe o sucedido e a sua desconfiança de que havia crime por causa do copo de ouro que era de muito valor.
O juiz disse-lhe que isso se arranjava bem, que ele conhecia a mulher e lhe mandaria pedir uns copos emprestados. E assim fez. A mulher mandou uns copos de vidro e como o juiz pediu mais copos ela mandou-lhe outros de cristal e como o juiz pedisse mais copos mandou-lhe uns de prata e entre eles um de ouro, que era o tal.
O homem assim que o viu conheceu-o logo. A dona da casa foi logo presa e obrigada a dizer onde estava o príncipe e o cavalo. Confessou tudo e o homem foi a desenterrar o príncipe e, mesmo assim morto montou-o no seu cavalo, segurou-o no cavalo e lá abalaram para pagar a promessa do príncipe.
Quando chegaram á igreja ficou o príncipe à porta montado no seu cavalo e ele foi fazer a oração como se fosse o seu amigo e deu-lhe vontade de olhar para trás e viu o príncipe a fazer a oração e chorava e entendeu ser isto um grande milagre. Depois disto voltaram ambos para as suas casas.
Quando se despediram, o príncipe deu-se a conhecer e queria levar o companheiro para o palácio, mas ele não aceitou porque também ia para a companhia de seus pais que eram lavradores. O príncipe disse-lhe que se alguma vez precisasse que o procurasse no seu reino.
Passados anos os pais do companheiro morreram e ele ficou muito pobre e lembrou-se do oferecimento do seu amigo príncipe. Dirigiu-se para o palácio e disse que lhe queria falar, este conheceu-o logo e valeu-lhe em tudo, assentando-o à sua mesa e tratando-o como a um irmão e não consentiu que ela saísse mais do palácio onde ficou a viver para sempre.
E o Senhor seja louvado que o meu está acabado.
O Galo
Era uma vez um galo que andava a esgravatar num campo e achou uma bolsa cheia de moedas de ouro.
Começou a pensar a quem daria as moedas que melhor o recompensasse e decidiu que as levaria ao rei. E lá partiu a correr a caminho do palácio com a bolsa ao pescoço.
No caminho encontrou uma raposa que lhe disse:
Amigo galo onde vais com tanta pressa ?
Vou levar esta bolsa com moedas ao nosso rei.
Mas se tu não te importares também gostava de ir.
Então mete-te aqui no meu rabo.
A raposa assim fez.
O galo sempre correndo encontrou no seu caminho um montão de pedras que lhe perguntaram :
Aonde vais galo ?
Estou com muita pressa pois vou levar esta bolsa de dinheiro ao nosso rei.
Ó amigo galo, se nos deixasses, nós gostaríamos muito de ir contigo.
Se quiserem vir comigo metam-se aqui para o meu rabo.
Correndo, correndo lá abalaram.
Mais adiante encontrou uma ribeira e um enxame de abelhas que sabendo o que o galo ia fazer pediram-lhe com os deixasse ir com ele até ao palácio do rei.
E o galo disse-lhes metam-se no meu rabo.
E assim chegou o galo ao palácio do rei, cheio de todas aquelas coisas e logo pediu para falar com o rei pois queria entregar a bolsa com as moedas de ouro ao rei.
O rei mandou o galo subir aquelas escadarias todas e recebeu-o na sala do trono, onde o galo lhe entregou a bolsa com as moedas de ouro.
O rei assim que se apanhou com as moedas, mandou-o meter no galinheiro, junto com os outros galos e galinhas.
Ficou o galo muito zangado, porque não esperava da parte do rei aquela atitude mas sim uma grande recompensa em troca da bolsa.
O galo que não era parvo nenhum e para se vingar do rei deixou sair do rabo a raposa e esta comeu as galinhas todas.
O galo pôs-se no poleiro a cantar:
Qui-quiri-qui-qui
Venham ver o que eu fiz.
Vieram todos a correr para ver o que passava no galinheiro e, o que viram ? Não havia galinhas nem galos.
Disse o rei:
Metam o galo dentro de um pote e ponham-lhe uma também uma tampa bem pesada para ele não possa sair de lá.
Assim fizeram.
O galo também não gostou daquilo e, assim que se viu encerrado deitou fora as pedras e o pote partiu-se todo aos bocados.
E o galo pôs-se a cantar:
Qui.quiri-qui-qui
Venham ver o que eu fiz
Foram dizer ao rei o que o galo tinha feito e ele ordenou que metessem o galo num forno bem aceso para o queimar todo.
Assim que lá o meteram, o galo largou a ribeira que logo apagou o fogo.
E o galo saltou para o telhado e começou a cantar:
Qui.quiri-qui-qui
Venham ver o que eu fiz.
O rei, desesperado já não sabia o que fazer à vida e então ordenou - tragam cá o galo, esse maroto, que eu lhe quero cagar em cima. Mas assim que o rei se despiu, o galo largou de imediato as abelhas que se pegaram todas ao corpo do rei que já escorria sangue por todos os lados.
Assim que viram o estado em estava o rei levaram-no dali para a cama quase morto.
Visto que ele fazia tantas maldades e como não conseguia ver-se livre dele, o rei deu-lhe outra bolsa cheia de moedas de ouro com a condição de se ir embora do palácio o mais depressa possível.
O galo assim fez.
Agradeceu aos seus amigos que o acompanharam e lá abalou a correr.
Quando chegou à sua terra distribuiu o dinheiro pelos pobrezinhos que era muito mais bem empregue do que no rei.
Seja Deus louvado
Está o meu conto acabado.

Turismo Rural

Todos nós temos a percepção que a vida nos dias de hoje é por demais oscilante faltando tempo para tudo em especial para a família.
O Stress, resultante da vida agitada que levamos, sobretudo nos grandes centros populacionais, é já hoje considerado uma doença e por vezes de muita gravidade.
Tentando combater esse estado, temos vindo a assistir uma fragmentação do período de férias em 2 ou 3 períodos.
Pretende-se com este esquema de férias repartidas retemperar forças.
No entanto afigura-se-me que esta medida acaba por ser insuficiente. Desta forma foi arquitectada como complemento uma nova forma que se pode estender ao longo do ano.
O Turismo Rural, e do qual constam:
Agro-Turismo
Turismo Rural
Casas de Campo.
Estes empreendimentos situados em zonas rurais são constituídos por casas simples de outrora da qual constam quartos, cozinha e uma sala de jantar.
O Turismo de Habitação, normalmente situado em localidades e é constituído por casas solarengas, ou solares que foram recuperados precisamente para este fim.
Em todos os empreendimentos de Turismo na área rural tem parque automóvel privativo.
Em todos estes empreendimentos cuja gestão é familiar, houve por parte do estado uma aposta forte com a qual proporcionou uma grande recuperação do património que, doutra forma era completamente impossível face a dificuldades financeiras dos proprietários.
Assim, muitas casas que estavam completamente em ruínas, hoje desempenham um papel extremamente importante e a partir das quais se fomenta o turismo local e se criam novos postos de trabalho
Neste momento a percentagem de ocupação não é ainda muito elevada mas estende-se ao longo de todo o ano, proporcionando assim que uma família possa descansar longe do bulício dos grandes centros, um fim-de-semana ou mais dias que acaba por ser retemperador.
Em todos os empreendimentos impera o atendimento personalizado e por vezes em convívio constante.
Em todos os empreendimentos de Turismo no espaço rural existem serviços de animação e diversão e de lazer, existindo assim uma aliança entre o alojamento e a animação.
Independentemente da propriedade dos equipamentos ao dispor dos hóspedes é no agro-turismo e turismo rural que a diversidade é maior.
Em termos de equipamento/actividades de animação próprias, a piscina, apesar do seu elevado custo é predominante, havendo também quem possua picadeiro, bicicletas de todo o terreno e jogos de salão.
Quando inseridos em determinadas áreas de caça e pesca são proporcionadas todas as condições e facilidades para sua prática.
Os preços praticados oscilam entre os 36 e os 67 euros por quarto, isto em turismo rural e agro-turismo, porque em turismo de habitação praticam-se preços mais elevdos – 88 euros.
Nas casas de campo o preço em média ronda os 54 euros.
Na maioria dos empreendimentos do Natal ao Carnaval há a possibilidade de assistir à matança do porco, festa familiar e com rituais próprios.
Pela Páscoa temos o Borrego
Ao longo de todo o ano podemos desfrutar o artesanato, a gastronomia, feiras e mercados alguns deles bem ao estilo medieval.
Diremos que a grande apetência que se está sentindo por este outra forma de turismo tem muito a ver com o tratamento personalizado que sempre se encontra.
7 de Junho de 2004.

Acta de Colóquio

COLÓQUIO “ O FOLCLORE E O PODER LOCAL”
ESTREMOZ – 11 DE FEVEREIRO DE 2006
Aos onze dias de Fevereiro do ano de dois mil e seis decorreu no Auditório Municipal “Bernardim Ribeiro”, em Estremoz, o Colóquio “O Folclore e o Poder Local”, numa iniciativa da Associação de Folcloristas do Alto Alentejo, em colaboração e com o elevado patrocínio do Município local.
Intervieram como palestrantes os Srs. Prof. Dr. Francisco Ramos, Inspector António Lopes Pires e Dr. Sérgio Fonseca, tendo a moderação dos trabalhos sido efectuada pela Drª Carla Raposeira.
A abertura dos trabalhos foi efectuada pelos Exmºs. Srs. Vereador da Cultura Dr João Chouriço e Presidente da Câmara Municipal de Estremoz Dr José Alberto Fatexa que saudaram todos os presentes dando nota do seu contentamento pelo facto de esta iniciativa decorrer em Estremoz e concretamente naquele espaço, posto que o Município aprecia e estimula as acções culturais, de natureza erudita ou tradicional, numa perspectiva de facultarem a todos os cidadãos estremocenses a oportunidade de contactarem com as distintas ofertas culturais e artísticas, propósito que justifica o próprio investimento municipal tanta a nível das infra-estruturas de que vai dispondo como do próprio calendário de eventos que é proporcionado a toda a população.
Em continuação divulgaram a sua disponibilidade para o apoio a actividades culturais desta área, designadamente ao folclore, no pressuposto de que este sector da cultura tradicional tem de ser valorizado e apoiado na medida em que permite a afirmação das singulares culturais de cada região, impondo-se, por isso, que as autarquias não se demitam de criar boas condições para uma qualificada intervenção dos agentes associativos que intervêm nesta temática, pese embora que apenas supletivamente, posto que a outras entidades deve incumbir, igualmente, o apoio indispensável a este segmento da cultura portuguesa, com base em critérios e regras que têm de ser devidamente aprofundados para melhor atingirem os objectivos de favorecer a intervenção social e cultural nesta área do conhecimento.
O Prof. Dr. Francisco Ramos começou por definir o termo “folclore”, à luz conceptual de William John Tommas, quando em 1846, substituiu a expressão então corrente de “antiguidade popular”, para, a partir daí, descrever a evolução conceptual do folclore, em referência a alguns dos mais ilustres estudiosos da matéria, com destaque para os portugueses José Leite de Vasconcellos, Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira, porém, enquadrando ainda histórica e filosoficamente os contributos de Eduard Taylor, Spencer, Darwin e Augusto Comte.
Do mesmo modo, referiu o contributo do Dr. António Ferro, positivo ou negativo de acordo com as possíveis perspectivas de análise, mas, ainda assim, destacável pela afirmação da cultura popular, numa época em que a tendência apontava no sentido do esbatimento de tudo o que fosse tradicional, e que, em consequência das comemorações dos Centenários e de diversas manifestações sociais e culturais então promovidas, permitiram o fixismo de algumas tradições, numa acção, obviamente, não isenta de erros, mas, a seu ver, positiva. Por diversas razões, que, ponderadamente aduziu, considerou a década de 40 do século passado, como uma década de ouro para os folcloristas portugueses. Na década seguinte referiu a grande influência de Jorge Dias na escola etnológica de Lisboa, registando-se muito válidos contributos para aprofundar o conhecimento das singularidades do povo, com importantes intervenções de Galhano, Manuel Viegas Guerreiro, Benjamim Enes Pereira, Margot Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, etc.
Em síntese, o Prof. Dr. Francisco Ramos concluiu que ao folclore devem interessar todas as áreas do conhecimento sócio-cultural que permitam um conhecimento mais profundo sobre as formas como o homem no seu conjunto se manifestava nas diversas fases da sua vida – trabalho, festa, religião, etc..
Em seguida, usou a palavra o Sr. Inspector Lopes Pires, que na linha da intervenção do orador precedente, abordou a definição do termo “folclore”, sinalizando diversas perspectivas, entre as quais a da Unesco, segundo a qual, folclore (no sentido mais amplo da cultura tradicional) é uma criação que emana de um povo e se fundamenta na tradição expressa por um grupo ou por indivíduos que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade, enquanto expressão da sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outro modo; as suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitectura e outras artes.
Prosseguindo, referiu a perspectiva de Dundee, segundo a qual folclore são também expressões não verbais, o que constitui uma contradição com os conceitos de muitos teóricos. A partir da comunicação de um especialista espanhol num Congresso brasileiro, referiu que um facto folclórico deve ser caracterizado por quatro aspectos fundamentais: ser popular, ser anónimo, ser tradicional e ser universal.
Tendo aceite o desafio da Organização do Colóquio para dissertar sobre “O Folclore e o Poder Local”, após reflexão, decidiu subverter o título da comunicação, e, daí, claro está, alterar (significativamente) o sentido da sua intervenção, pois, entende, que deverá ser o Poder Local a interagir mais com o “Folclore” (entendido como movimento associativo constituído pelos agentes que intervêm nesta área da cultura), uma vez que se espera que o Poder Local se assuma em plenitude como uma entidade que interfere junto dos agentes sócio-culturais de modo a salvaguardar o “Folclore”. Como diz o povo, “Quem dá o pão, pede a obrigação”. A obrigação da autarquia é dar o apoio mas exigir qualidade, descriminando positivamente os que melhor aproveitam o apoio concedido.
Os grupos de folclore devem saber o que recolher e como recolher, do mesmo modo que têm de estar perfeitamente conscientes de que em todo o momento se devem preocupar com a preservação da cultura, seja física ou imaterial. Sem preservação não há conhecimento nem defesa e a divulgação será sempre efémera. Todos os grupos de folclore devem registar as suas recolhas, sistematizando este trabalho, posto que a desculpa “com as velhinhas que já morreram, já não colhe”. Ainda que no seio do próprio grupo a recolha tem de ser registada, anotando-se quem, quando e em que circunstâncias transmitiu aquela informação, que deverá ficar registada tão completamente quanto seja possível.
Em cultura tradicional há uma regra sagrada – Proibido inventar! Os grupos de folclore, naturalmente, através dos seus responsáveis técnicos, devem recolher, analisar e reconstituir o que lhes for transmitido, nunca divulgando aquilo sobre o qual haja dúvidas de representação. Inventar para completar informação em falta, nunca! A mentira tem perna curta, e mesmo quando alguém pensa que está a enganar outrem, acaba sempre por se descobrir, e mesmo que não se descubra, há sempre alguém que conhece a verdade, que são os próprios, e quando os próprios não recusam enganar-se a si mesmos, algo vai mal.
Em tempo de debate, intervieram os srs. Manuel Braga, Martinho Dimas, João Carriço, Lino Mendes, Florêncio Cacete, Manuel Palhouco, Ludgero Mendes e Maria Castanho, que colocaram pertinentes questões, as quais foram cabalmente respondidas pelos comunicantes que até então haviam usado a palavra.
Após um almoço esmeradamente servido e que foi oferecido pelo Município de Estremoz, retomaram-se os trabalhos com a intervenção do Dr. Sérgio Fonseca, que abordou o tema dos instrumentos musicais tradicionais, tendo desenvolvido este tema com o suporte informático, permitindo a visualização e a audição dos diferentes instrumentos que ia caracterizando, ordenados pela classificação de Curt Sachs, ou seja, pelas famílias dos membranofones, dos idiofones, dos aerofones e dos cordofones, adequando os exemplos aos instrumentos mais tradicionais na região alentejana, tendo feito uma interessante referência às “pedrinhas de Arronches”, à sarronca, à viola campaniça e, como não poderia deixar de ser, ao cante alentejano, verdadeiro conjunto harmónico de “instrumentos anatómicos”, conjugados ao mais elevado potencial.
Satisfazendo o convite formulado pela Associação de Folcloristas do Alto Alentejo, Ludgero Mendes, interveio no final dos trabalhos para apresentar uma proposta de “Conclusões” deste Colóquio, de modo a sintetizar os aspectos mais relevantes deste encontro que foi unanimemente considerado como muito importante. Assim, foram apresentadas as seguintes “Conclusões”, que foram aprovadas, no seu conjunto, por aclamação:
Entre o Poder Local, designadamente as Câmaras Municipais, as Juntas de Freguesia, as Regiões de Turismo e as Associações de Desenvolvimento Regional e os grupos de folclore deverão estabelecer-se relações de compromisso mútuo, definindo-se os direitos e as obrigações de ambas as partes, numa perspectiva de fomentar o estudo, a conservação e a divulgação da cultura tradicional local ou regional;
Entre o Poder Local e as associações culturais que intervêm nas áreas da etnografia e do folclore, deverão estabelecer-se acordos de cooperação, tipo contratos-programa, em que se definam claramente os critérios e as regras que devem regulamentar os diversos aspectos em que assentem os protocolos a elaborar;
A relação entre o Poder Local e os grupos de folclore tem de assentar na assumida cooperação de todos na defesa, no estudo, na salvaguarda e na divulgação digna e consciente do património cultural tradicional;
Constatando-se que a maioria dos grupos de folclore apenas se interessam pelas danças, músicas, trajos e cancioneiro da comunidade que pretendem representar, estimula-se a que devam igualmente dedicar-se à pesquisa, ao estudo, à conservação e à divulgação dos restantes aspectos que permitem conhecer de uma maneira mais profunda e mais abrangente essa comunidade;
Os grupos de folclore devem saber o que recolher, como recolher e, não menos importante, como devem conservar e preservar o espólio recolhido;
Os grupos de folclore não podem sobreviver sem o estudo, a classificação e o registo do material recolhido;
O folclore continua vivo e os grupos de folclore, mau grado alguns erros, são as entidades que melhor consubstanciam as diversas vertentes que interagem e integram os conceitos mais correntes sobre a dança, a música, o trajo e a poesia tradicional;
Os grupos de folclore deverão, tendencialmente, privilegiar o recurso aos instrumentos musicais tradicionais mais adequados à época representada, designadamente, os que ainda possuem memória dos sons autóctones locais;
Os grupos culturais dedicados ao cante alentejano devem criar condições para atrair jovens cantadores, abrindo-lhes as portas e acolhendo-os com entusiasmo e sem quaisquer complexos, disponibilizando-lhes os ensinamentos necessários;
Mau grado a escassa participação de autarcas da região do Alto-Alentejo, conclui-se que este Colóquio foi muito relevante, recomendando-se a divulgação deste texto por todos os municípios e juntas de freguesia da região.
Estremoz, 11 de Fevereiro de 2006

A Moda de Saias

A “Moda de Saias”
Na cultura tradicional portuguesa
– A moda de saias terá nascido no Alentejo. No entanto e em seu entender, com ou sem influência espanhola?
Não me parece haver influência espanhola nesta dança do Alentejo. A Saeta é uma cantiga que pode ou não ser de despique mas só cantada durante a Quaresma em toda a Extremadura espanhola e em especial durante as Procissões.
– O que caracteriza esta “moda”, no que respeita ao ritmo, à construção e ao conteúdo ?
De ritmo normalmente binário composto 6/8, as “saias” são danças colectivas com diversas formas de serem dançadas predominando as de roda. É uma dança de trabalho, quantas vezes de sedução.
– As “saias” são fundamentalmente uma cantiga de despique, de mal dizer, ou pode não ser nenhuma destas coisas ?
São na sua essência cantigas de despique / amor, onde a mulher tem um papel fulcral. Acontece muitas vezes ser também uma cantiga de escárnio e de mal dizer mas, onde está quase sempre subjacente o amor.
– Ouvimos por vezes anunciar “saias” como sendo de Campo Maior ou Alegrete, para mais não citar. Isto está correcto, ou as “saias” que de facto se espalham por todo o Alentejo, não são propriedade de terra alguma ?
A moda de “saias” não se circunscreve apenas ao Alentejo. Encontramos esta dança também na zona norte em especial na Beira Alta e Douro Litoral ,e também na Beira Litoral. Numa zona ou noutra com algumas diferenças de ritmo teremos então o compasso binário simples 2/4 e nem sempre cantigas de despique.
Não podemos de forma alguma focalizar esta dança a qualquer uma localidade pois ela dançou-se e dança em todo o Alto Alentejo. Podemos ainda assim localiza-las nos concelhos de Ponte de Sôr e Nisa a norte com um “sabor” bastante diferente dos concelhos de Campo Maior, Sousel ou Redondo, onde mercê da Serra de Ossa desaparece quase por completo. Começa aqui a sentir-se o Cante Alentejano – Cantadores de Montoito (Redondo)
– Há vários géneros de modas de “saias” – saias velhas, saias novas, saias aiadas por exemplo. Conhece outros géneros ?
A referência a saias novas ou saias velhas tem a ver com o seu aparecimento, isto é, saias novas eram aquelas que apareciam normalmente pelo S. Mateus em Elvas, a grande Romaria do Alto Alentejo para onde convergiam muitos romeiros e onde permaneciam durante oito a dez dias. Durante a sua caminhada para Elvas normalmente em carros, churriões ou charretes pernoitavam em várias localidades onde, sobretudo ao serão e em volta de fogueiras dançavam modas que apareciam ou apareceram durante o ano.
As saias velhas davam lugar às saias novas, muitas das vezes com formas de danças semelhantes.
As saias aiadas são aquelas em que cantador diz um ai quando canta o estribilho.
– Conhecemos algumas maneiras de cantar “saias”
Cantar os 4 versos seguidos, depois repetir o terceiro e o quarto e a seguir o primeiro e o segundo
Cantar o primeiro e o segundo e repetir, depois cantar o terceiro e o quarto e repetir
Cantar o primeiro e o segundo e repetir e depois cantar 3 vezes o terceiro e o quarto (ao que me dizem por exigência da dança). Conhece algum sítio onde isso aconteça ?
Conhece algum sítio onde se cantem os versos todos seguidos sem repetições ?
Quanto às alíneas a) e b) são as formas mais usadas para cantar saias e variam um pouco de terra para terra.
Quanto à alínea c) a dança, por norma submete-se à cantiga, pelo não conheço localidade onde esta forma aconteça.
Relativamente à alínea d) até pela forma intrínseca da moda de saias não conheço nenhuma localidade onde tal aconteça.
– Também por aqui as “saias” eram só cantadas ou cantadas e bailadas, com ou sem acompanhamento instrumental, Apenas dos dias de “sortes” a rapaziada dava volta às ruas acompanhados de um acordeonista que (só) as tocava. Conhece mais algum sítio onde isso acontecesse ?
Temos que dividir esta alínea em duas partes:
As modas de saias sempre foram só cantadas ou cantadas e bailadas com ou sem suporte musical. Não era por não haver quem tocasse que se deixava de cantar ou bailar. Isto por que não se conhece Instrumento musical que tivesse origem no Alentejo. O Harmónio é “importado” da Alemanha no último quartel do século XVIII dando posteriormente lugar à Concertina e ao Acordeão. A Harmónica ou Realejo entra em Portugal em meados dos anos 30 do século passado. As “saias” são bem mais antigas que estes Instrumentos musicais. Resta-nos o Adufe ou pandeiro.
São, ao som do pandeiro as mais autênticas.
b) Aquando das “sortes” o tocador tocava “saias” como tocava mazurcas,
chotices ou ainda outras modas de sabor popular. Isto acontecia em todas as localidades
– Onde estivesse duas mulheres, ou um homem e uma mulher logo se cantavam “saias”. Conhece alguma situação em que fossem cantadas homem com homem ou a três ? Ou nalguns momentos se cantavam em coro ?
Também temos duas partes a referir:
Era o mais usual as “saias” serem cantadas homem / mulher. Acontecia serem também cantadas por duas mulheres quando em “causa” estava um homem. Também muito raramente pois dois homens quando por meio estava uma mulher. Mas eram situações muito raras isto porque as pessoas eram muito recatadas, resguardavam-se e não entravam em situações que dessem azo a “falatórios”
Nunca ouvi cantar “saias” em coro, nem faz muito sentido dadas as suas características.
– Concorda que as “saias” estão para o Alto Alentejo assim como o “cante” está para o Baixo Alentejo ?
São duas formas de bem distintas do Alentejano manifestar a sua alegria e a sua tristeza.
Até pela natureza de interpretação são duas formas completamente diferentes. No “cante” por norma só entram homens nas “saias” há homem /mulher.
A paisagem geográfica condiciona uma e outra manifestação.
Parece-me haver ainda um longo caminho a percorrer para perceber e entender as “saias”. Será que temos tempo para isso ?
Sousel terça-feira, 27 de Abril de 2004

Crenças

Crenças, superstições e usos tradicionais
Meteorologia pastoril
O que mais preocupava o espírito dos camponeses era a chuva.
Há dezenas de prenúncios a este respeito sendo alguns bem extravagantes.
Para melhor compreendermos convém descrevermos a terminologia popular.
Comecemos pela chuva.
Os elementos em que se baseia toda a classificação popular são neste caso a duração, a intensidade ou a abundância.
- Aguaceiro
Chuva forte mas intermitente sempre acompanhada de vento.
Chuva de pedra – granizo - chuviscos
Análoga aos Aguaceiros diferindo na quantidade que neste é menor e sem serem acompanhadas de vento.
Murraceiros
Chuva miudinha e persistente sem vento e com temperaturas mais elevadas.
Orvalheiras
Chuva das madrugadas de Verão a que também se chamam de choradeiras.
Branduras
Chuva parecida aos murraceiros mas acompanhada de brisa do Sul e com temperaturas elevadas.
As Nuvens
Também têm a sua classificação.
Rabos de gato ou de galo, quando se apresentam sob a forma de rectas ou curvas
Céu pedrento quando se apresentam em círculos
Castelos prenuncio de trovoadas
Aguaceiros ou céu velho quando se apresentam com auréola ou esplendorosas.
Ventos
Vento Norte ……………….. N
Travessia alta ……………… NW
Travessia ………………….. W
Travessia baixa ……-……… SW
Vento Sul ……………….…. S
Vento de Espanha ….........… NE a SE
Quanto à velocidade
Viração – Vento fraco do Sul no Verão
Arilho – Vento fraco e frio
Brisa – Vento regular e húmido
Ventinho – Vento mais forte
Ventania – Vento forte e ás rajadas
Rajadas – Vento incerto
Salseiro – Vento baixo e violento
Furacão – Vento muito violento
Nortadas – Vento do Norte
Suão – Vento morno do Sul
Quando ao cair da noite os mochos piam muito esperam-se nevoeiros e as névoas trazem chuvas.
Quando as galinhas se catam olha-se para onde tem a cauda virada pois a sua posição indicam donde virá a chuva.
Quando ao pôr do Sol as milheirinhas cantam em grandes bandos espera-se chuva para breve.
Quando os corvos crocitam vem aí temporal.
Mesmo sobre o corpo humano se fazem observações meteorológicas.
A chuva é anunciada pela comichão no nariz e nos ouvidos.
O mesmo indica a dor nos calos ou nos ossos.
Há épocas em que as chuvas tomam nome especial.
Em Abril - Águas mil coadinhas por um cantil
Em Maio – Chuvas de Maio fazem a gente formosa
Em Junho – Orvalheiras de S. João
Águas verdadeiras pelo S. Mateus as primeiras
Em Outubro – Cordoadas de S. Francisco.
Os rapazes cantam para pedir chuva:
Chove ! Chove ! Chove
Galinha á mol
Que Nosso Senhor
Nos dará pão mol
Para parar de chover
Esteita ! Esteita ! Esteita !
Um saco de areia
Espalha ! Espalha ! Espalha !
Um saco de palha
O arco íris a que se chama também o arco da velha ou ainda arca da aliança é também mimoseado pelos rapazes com esta quadra
Arco da Velha
Tira~te daí
Que as moças bonitas
Não são para ti
O povo tem muitas máximas relativas à chuva:
-Não há rega como a do céu
-Há chuva que seca e sol que rega
-Chuvas na Ascensão, das palhinhas faz pão
-Portugal para ser Portugal há-de ter cheias antes do Natal
-As névoas fazem amadurecer os figos
-Ano de muita água ano de pouca mágoa
-Ano pingueiro enche o celeiro
-A água é o sangue da terra
-Mais vale chover que nevar
Em todas estas observações, algumas bastantes ingénuas, o homem tenta compreender a natureza para se prevenir ou para aproveitar na sua luta pela vida.
Lendas e Romances
A Pastorinha da Lapa
Recolhido no concelho de Elvas
Inda agora vim da Lapa
Quem me dera lá voltar
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada
Só para ver a pastorinha
Que lá ficava assentada
Com uma roquinha á cintura
E uma cestinha á ilharga
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Foram dizer ao marido
Que ela andava enamorada
E ora valha-me Deus
Valha a Virgem Sagrada
Com um sacerdote de missa
E ele na missa não dizia
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Confessa-te, mulher minha
Que hoje te tiro a vida
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
Quer m’a tires, quer m’a deixes
Essa tenção era minha
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
Peço-te marido meu
Que me enterres na ermida
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Lá acima ao altar mor
Aos pés de Santa Catarina
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Lá no fim de nove meses
Um lindo cante se ouvia
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Quer por dentro, quer por fora
A ermida retinia
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria.
Foram dizer ao marido
Menina que era nascida
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
São José a baptizava
Nossa Senhora era a madrinha
E ora valha-me Deus
Valha-me a Virgem Maria
- Aqui tens marido meu
A vida em que eu andava
Ai Jesus valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Quem a Virgem serve bem
Sempre lhe dá boa paga
Ai Jesus valha-me Deus
Valha-me a Virgem Sagrada.
Frei António
Recolhido no concelho de Elvas
Levantou-se frei António
Uma manhã de madrugada
Bate à porta da morena
Morenita mal casada.
Abre-me a porta Morena
Morena da minh’alma.
Não posso frei António
Frei António do coração,
Que tenho meu filho ao colo,
Meu marido pela mão.
O que é isso, ó mulher minha
A quem dás as tuas falas ?
Foi o filho da padeira
Que perguntou se amassava
Se amassava pão de leite
Que não lhe deitasse água
E se era de trigo
Lhe deitasse pouca água.
Levanta-te, bela mulher,
Vai tratar da tua casa.
Levanta-te, ó homem meu
Vai tratar duma caçada,
Manda-me de lá uma lebre
Para á noite t’a ter guisada.
O marido que saía
Ela bem se enfeitava
Ao convento foi passar.
Por Frei António perguntava.
Frei António assim que a viu,
Em vez de correr saltava
Dava-lhe belos bolos
Talhadas de marmelada
E pela mão a levou
Á cela onde dormitava
Ela que vinha para casa
O marido que encontrava.
Onde foste mulher minha
Que vens todo enfeitada?
Venho de dar uns parabéns
Pertencentes a nossa casa
A nossa prima Francisca
P’lo filho que Deus me dava.
Fizeste bem, mulher minha
Fizeste tu, como honrada
Agora o que mereces é uma sai nova.
A primeira que lhe deu
Foi com a tranca da porta
A segunda que lhe deu
Foi co’a tumba já á porta.
Este romance com algumas nuances também se encontra na tradição oral doutras zonas do país

Apontamentos sobre a Olaria no Alentejo

Antes de mais devo referir que estes apontamentos não pretendem de forma alguma ser um trabalho exaustivo sobre a cerâmica do Alentejo pois ele está quase vazio de referências históricas e da própria evolução que os oleiros e barristas, paulatinamente lhe vieram a conferir ao longo de séculos mantendo no entanto uma tipologia arcaica salvaguardando velhas tradições legadas por várias civilizações ibéricas.
Nem em todas as localidades havia barro pelo que esta actividade esteve e de certo modo ainda está ou estava circunscrita no distrito de Évora às seguintes localidades:
Estremoz
Redondo
S. Pedro do Curval – Reguengos de Monsaraz
Viana do Alentejo
E no distrito de Portalegre:
Nisa
Arronches – há muito extinta
Flor da Rosa – Crato
Campo Maior – Talhas grandes
A olaria de Viana do Alentejo e a de Flor da Rosa foi sendo caracterizada através dos tempos pelo seu aspecto aparentemente grosseiro, devendo-se sobretudo à não existência de, nas peças ali fabricadas de motivos decorativos.
Isto é, as peças de Viana e Flor da Rosa são sobretudo cerâmica muito simples e popular, inspirada na dos povos mais primitivos com especial predominância para as de uso doméstico.Aqui encontramos os tradicionais alguidares vidrados e que se destinam a ser utilizados nas tradicionais matanças do porco e na amassadura do pão. Para além dos alguidares podemos destacar entre as muitas peças tradicionalmente fabricadas: as bilhas, barris e cântaros para a água (quarta). Fogareiros, vasos para flores, panelas e barranhões e ainda tarefas, também chamadas talhas para as azeitonas.
Também em tempos eram fabricados os alcatruzes para as noras que, em muitas zonas do Alentejo e, possivelmente devido á existência de inúmeros oleiros eram fabricados em barro. Hoje face a outras formas de rega as noras deixaram de ter essa utilidade.
Em Campo Maior há muito que se deixaram de fabricar as talhas, recipientes grandes e bojudos onde se colocava o mosto das uvas para aí fermentar até se fazer vinho.
Antes das especificidade doutros locais refiro de seguida como aqui se preparava o barro.
A argila era cavada e transportada para a olaria,
Já na olaria, a argila era exposta ao sol para que se possa partir mais facilmente em pequenos bocados “misgalhar o barro”. Sobre a argila partida é deitada água, de preferência com um regador, para que esta seja totalmente absorvida. Era natural fazer-se esta operação ao final do dia para que, durante a noite o barro fosse amolecendo. Era de seguida amassado com a mão e colocado em monte. O oleiro subia para cima e, colocando um pé ao centro servindo de apoio e rodando no sentido dos ponteiros do relógio, esmagava os bordos com o calcanhar, que progressivamente se ia enterrando. Depois de amassado passava de seguida à detecção de impurezas e corpos estranhos, utilizando para o efeito a sua própria mão que faz separar por pequenos blocos de barro.
Todo o trabalho de preparação do barro demorava cerca de hora e meia.
A roda é o principal utensílio do oleiro.
A roda mais antiga, a mais simples, é a denominada roda baixa, movida com a mão. Era utilizada já pelos egípcios, como testemunham os frescos de há 2000 mil anos A. C. existentes nos túmulos de Tebas e reproduzidos por A Brongniart e Joaquim de Vasconcelos, nos seus estudos sobre cerâmica.
Este tipo de roda ainda hoje é utilizado mas no norte de Portugal. No Alentejo não se encontram vestígios da sua utilização.
Os oleiros do Alentejo utilizam outro tipo de roda, mais alta, accionada com o pé e de origem árabe. É montada numa espécie de mesa denominada “arquina”, onde é colocada uma placa de madeira, uma tigela com água e bocados de barro.
Trabalhar com a roda exige grande vocação, prática e perseverança, para se conseguir uma sincronização perfeita entre os pés e as mãos e uma velocidade constante e uniforme. O pé imprime o movimento e controla a velocidade, enquanto as mãos vão transformando o barro colocado sobre a roda, subindo-o, alargando-o até se atingir a forma final que o oleiro idealizou.
Cortada a peça pela base, com um fio ou arame, a peça é retirada e colocada em local a secar de maneira a ficarem apenas com a humidade ideal e só depois seguia para o forno. O tempo de secagem é variável dependendo de vários factores; espessura da peça, condições das instalações e condições atmosféricas.
Os fornos eram geralmente construídos no pátio da casa do oleiro. São descobertos, sem chaminé, protegidos dos ventos por paredes de alvenaria, geralmente cobertas por uma abóbada protegida com telhas e eram constituídos por dois espaços.
Na parte inferior ou caldeira onde se mete a lenha por uma abertura frontal.
A caldeira está separada da parte superior, câmara de cozimento ou forno propriamente dito, por um pavimento de tijolo fino para facilitar o aquecimento. O tempo de cozedura é variável.
Normalmente a cozedura é feita de noite, pois este tipo de fornos não tem qualquer indicador de temperatura, tendo o oleiro que espreitar a cor das peças, através de uma vigia para saber se já estão cozidas, colocando, no caso de a cozedura ainda não estar acabada, mais lenha sob as peças mais cruas.
As peças ao serem colocadas no forno “enforna” têm de obedecer a uma técnica apurada de maneira a que o fogo seja distribuído de igual modo por todas elas. A lenha é introduzida lentamente – 2 a 4 horas – “período resquente”, evitando-se a mudança brusca de temperaturas que poderia ocasionar que as peças se quebrassem. O tempo de cozedura é variável, dependendo da posição das peças, da qualidade e da quantidade de lenha.
Relativamente à olaria de S. Pedro do Curval e do Redondo são peças essencialmente de uso doméstico, isto é, pratos grandes e pequenos, terrinas, tigelas, cafeteiras, azeitoneiras, bacias, penicos, etc.
Distingue-se pelo decoração efectuada em cada peça e as cores dessa decoração.
Decoração simples, ingénua e tendo como motivos essencialmente rurais, de fauna e flora e por vezes de amor com frases ou quadras alusivas a este sentimento.
As cores usadas eram o azul, feito à base de sulfato de cobre e o verde à base de bicromato de potássio. O vermelho, quando usado era feito de uma aguada feita a partir do barro vermelho.
Por norma a louça aqui produzida é vidrada para que possa oferecer uma maior resistência ao uso.
Ao norte do distrito de Portalegre temos a vila de Nisa. Situada entre o Ria Tejo e o Sever, que a separa de Espanha. Pelo concelho passa a Ribeira de Nisa que desagua no Tejo, existindo ainda, no seu alfoz, algumas nascentes importantes, entre as quais se salientam as da Galiana.
Está geologicamente integrada no complexo xisto-gresoso das Beiras, proporcionando aos oleiros um barro de fraca plasticidade e que racha facilmente. Apesar da má qualidade do barro e da dificuldade maior em o obter, a cerâmica de Nisa só se mantém graças a uma evolução técnica muito apurada.
Há uma certa diferença na preparação do barro em Nisa.
O barro é decantado e purificado por meio de lavagem, coamento e sedimentação.
Na composição da pasta entram três espécies de barro;
Barro branco – argila fracamente arenosa, branca, com alguns laivos vermelhos, de consistência gomosa, da Idade Terciária;
Barro preto - silto argiloso de côr parda, micro-vacular, fracamente denso;
Barro vermelho – argila siltosa, fracamente arenosa, muito ferruginosa, de côr acentuadamente vermelha, da Idade Terciária.
A modelação é inteiramente manual. Apenas no alisar da superfície exterior das peças se utiliza um pequeno rectângulo de pano, normalmente de lã, denominado aplanata e um pedaço de cana bravia afeiçoada em forma de trapézio com cerca de 15 cm.
De entre as peças mais conhecidas e mais populares temos a bilha de asa, o pote ou asado de pucarinha e o pote ou asado de barrete de S. Pedro.
Muito procuradas também são: a garrafa, o cantil e o barril.
O prato de parede é essencialmente decorativo.
Voltemos ao barril, que em Nisa toma o nome de moringue. É um barril de mama ou de duas bicas, peça evoluída de uma forma básica, por adaptação de bocais e asa.
O barril de carro peça integrante dos utensílios do pastor e do carreio, proporcionando a este último dessedentar-se nas grandes travessias despovoadas e secas.
Sob o aspecto de ornamentação, o oleiro de Nisa soube criar um tipo decorativo muito artístico.
Para decoração é usada a pedra branca – quartzo leitoso -, que sofre também uma operação preliminar fundamental que tem por fim, por meio de fundição a que é submetido, tomar um aspecto mais branco e oferecer menos resistência na redução a pequenos fragmentos. É tratado da seguinte forma:
Cozido no forno, com lenha grossa, a alta temperatura, o quartzo é, depois de arrefecido, esmigalhado com o auxílio de seixo de quartzite. Os fragmentos são joeirados para apuramento, seleccionando-se dois tamanhos empregados depois na decoração.
Com manifesta preferência pela utilização dos círculos, semicírculos e formas rodadas, a decoração da cerâmica de Nisa, apresenta um substrato cultural indígena e a aplicação de motivos tradicionais, constitui, contudo pela delicada estilização, uma decoração típica, única no país.
De técnica evoluída, a cerâmica de Nisa mantém uma tradição milenária, conservando a mulher associada à sua elaboração. E, tendo sido no período Neolítico, um trabalho exclusivamente de mulheres, são ainda elas e alguns utensílios femininos que intervêm no seu acabamento, pelo que, antes da peça ser cozida no forno, é riscada com uma agulha de cozer roupa, segundo o gosto da artesã, instruída desde menina, na tarefa decorativa da olaria de Nisa. Acabado o desenho incisivo de agulha a peça é pedrada, tendo o cuidado de se introduzir na peça a extremidade angular do quartzo, ficando para p exterior a superfície plana da maior faceta do fragmento, carregando-o com a unha do polegar, para o fixar bem.
Pedrar é, de todo o labor desta cerâmica, a tarefa mais delicada e paciente e aquela que lhe imprime um verdadeiro cunho artístico.
É a tarefa de transformar uma peça tosca numapequena maravilha.
A sua delicadeza e perfeição técnica verifica-se passando a mão sobre a superfície pedrada da peça sem conseguir encontrar maiores saliências ou falta de uniformidade.
Deixamos para o fim Estremoz.
É do Alentejo provavelmente a mais antiga, a mais conhecida e a mais diversificada. Já no foral datado de 1259, reinando D. Afonso III encontramos uma referência aos barros de Estremoz ... e o moradores deEstremoz aiam livremente tendas e fornos de pam e de dollas. E dos fornos de telha dêem dízima ...
Uma segunda citação regista-se igualmente no foral de D. Manuel I, datado de 1512 ... da telha e tijolo que se fizer na dita villa en termo para vender se pagará dízima e se sse tirar pera fora per omens de foraa dous reaaes por carga mayor ...
É a terra onde se encontra o barro vermelho mais fino e mais estimado de todo o Portugal.
Em 1571 o cardeal Venturini, secretário legado Pontificio numa das visitas à corte portuguesa diz-nos que sobre a mesa estava um vaso de prata cheio de água do qual se deitava em um de jarro, chamado na língua portuguesa púcaro, do feitio de uma urna antiga, da altura de um palmo e feito de barro vermelho subtilíssimo e luzidio, que chamavam barro de Estremoz, pelo qual o Rei D. Sebastião bebeu seis vezes.
Na correspondência de Filipe II para as suas filhas Isabel e Catarina falava nos “mimos” que representavam os púcaros de Estremos.
Ao pintar o quadro “Las Niñas”, Velasquez faz figurar um púcaro de Estremoz sobre uma salva de prata que uma das damas tem na mão.
No último quartel do século XIX começaram a surgir novos modelos para além da louça vidrada, polida ou riscada, da tradição oleira local:
Bilha
Asado
Barril
Prato
Moringue
Púcaro
O prato este pertenceu a todas as civilizações ainda que com características próprias.
A bilha de Estremoz também é pedrada à semelhança da de Nisa, no entanto a sua decoração é bem mais simples.
A olaria de Estremoz nas suas peças mais famosas era enriquecida por figurado de animais ou pedrinhas ou ainda vegetação por onde a água serpenteava ciando ou cantando segundo os acidentes e o contacto com o barro poroso.
O barril e o asado são reminiscências da ocupação romana.
Para a construção civil fabricavam-se telhas, telhões, tijolos, ladrilhos, remates de beirais, etc.
Depois nascem os vasos ornamentais, colunas para salas, pratos com fruta e outra louça de ornamento.
Não menos importante que os pucarinhos temos os bonecos de Estremoz.
Perdidas no tempo estão as origens da arte bonecreira. Sabemos que no século XVIII eram feitos e muito admirados os bonecos de Estremoz, arte quase exclusiva de mulher.
Por volta de 1930 foram dados passos decisivos para salvar esta tradição. É desse tempo a colecção de bonecos exposta no Museu Municipal. Grande parte deles foram adquiridos pela autarquia ao Engº Reis Pereira, irmão do poeta José Régio, que por sua vez a adquiriu e reuniu ao longo de 30 anos.
Conhecem-se:
Presépios de trono ou altar, autênticas maravilhas sobretudo pela simplicidade e ingenuidade;
Santos de devoção nacional, Senhoras com manto, com o Menino ao colo, Senhora na mula com o Menino ao colo e S. José, etc;
A Procissão com cerca de 70 peças
Bonecos de feição regionalista – aguadeiro, leiteiro, pastor, namorados junto ao poço, mulher a fiar, etc, etc.
A gama de cores usadas não conhece limites, no entanto prevalecem o verde, o azul, o vermelho, o zarcão, o amarelo, o branco, o roxo, o laranja e o preto.
Estas tintas eram feitas à base de terras ou óxido , que se diluíam em água misturando-lhe grude.
Existiam também brincos e bonecos de assobio, que eram o encanto das crianças.
Porque vivemos numa sociedade humana num momento particularmente importante, porque rico de contrastes, entendemos que o regresso de certas áreas das artes tradicionais às escolas, devidamente programadas e devidamente assistidas em simultâneo por professores e artesãos, seria benéfico inflectindo assim a marcha no sentido cultural.
Como referi no inicio, não é um trabalho sobre a olaria no Alentejo, pois muito mais havia para dizer é isso sim, uma tentativa de dar a conhecer valores herdados e que são parte do património do povo a que pertenço.
É que nunca é tarde para preservar as nossas tradições, se o tarde for agora.

Conversa sobre Saias

Folclore
Palavra de origem inglesa, criada em 1846 por Jonh Thomas, é formada por Folk que é povo e lore que traduz cultura, tradição, assente em lendas, costumes, orações, superstições e outras derivantes.
Um dos problemas mais complexos e intrincados que se põe aos coreólogos e aos folcloristas que estudam a dança, é a autenticidade étnica de cada dança. A este respeito convém não esquecer que as fronteiras antropológicas e etnológicas, logo folclóricas, não correspondem necessariamente nem às fronteiras administrativas, na medida em que aquelas nem sempre foram traçadas por vontade dos povos a que dizem respeito ou por razões de ordem étnica, mas sim em virtude de conflitos bélicos e tratados políticos, e estas as administrativas foram sempre tratadas por razão de ordem burocrática e de comodidade.
Dado que este trabalho não é de forma alguma um ensaio sobre a dança, não iremos abordar esse tema sedutor que é a origem da dança – porque é que o homem dança ?
Diremos apenas que a dança se insere nas liturgias antigas e destas se parte para o drama liturgico, e se torna mais tarde em mera diversão, o que logo conduz à sua inserção na festa – já que é na festa popular que as danças tradicionais têm a sua origem.
Leite de Vasconcelos que andou por todo o Alentejo onde realizou trabalhos de campo, deu-nos preciosas informações sobre danças tradicionais, mas é certoque nunca aprofundou o suficiente para que nos dias de hoje possamos ter certezas.
Igualmente Lopes Graça e Michael Giacometti lamentavelmente nunca aprofundaram o estudo das danças populares, embora nos tenham legado um extenso e valioso património.
Desgarradamente esse trabalho tem sido abordado e está disperso por várias obras ainda que com algumas lacunas o que nos leva pensar que muito há por fazer.
E terá que ser feito por coreólogos ou etnocoreólogos que não há muitos em Portugal, mas urge, porque mais hoje mais amanhã as fontes de recolha desaparecem.
Relativamente às danças populares portuguesas houve desde sempre a necessidade de precisar quais as de carácter folclórico, populares ou popularizadas.
Folclóricas são as tradicionais dançadas essencialmente nos meios rurais ou suburbanos;
Populares são aquelas danças criadas ou que tiveram origem no povo;
Popularizadas são as danças extrapopulares que o povo adoptou porque gostou delas.
Como já referido está por fazer a Carta da Dança em Portugal. Se essa Carta vier a ser feita teremos que muitas danças apresentadas hoje, algumas delas têm origem no século XVI – de origem palaciana- que o povo adoptou à sua mentalidade. Durante o século XIX tornou-se frequente a lenta transformação da dança tradicional.
Basta ver nos dias de hoje, pese embora grandes adulterações feitas, o ar nobre e altivo em muitas das danças dos nossos Grupos de Folclore.
Estou em crer que nada vou adiantar sobre o tema proposto – As Saias -, todos sabemos que é umadança cujo simbolismo e forma muito tem a ver com o Alto Alentejo, até porque morfologicamente ela é realçada pelo homem e pela mulher, em toda a sua simplicidade e beleza.
Mercê de uma aculturação que é por demais evidente teremos que a moda de Saias é dançada também em certas regiões do Ribatejo, Beiras, Estremadura e aparece-nos ainda que muito acidentalmente no Douro interior.
Coreográficamente a interligação e desenvolvimento das marcações, gestos, poses e movimentos são da maior importância, porque permite exprimir precisamente o simbolísmo atrás referido.
Porque dançadas no Alto Alentejo e dada a proximidade com a Extremadura espanhola vários etnógrafos aparentam as Saias com a Jota, a Seguidilha e com a Saeta.
Com a Jota e a Seguidilha há de facto alguma similitude, à semelhança com outras danças características doutros pontos do país, no entanto, quanto à Saeta tal já não faz sentido pois esta muito raramente é dançada. A Saeta é cantada, de caracter religioso e cuja interpretação é quase obrigatória por altura da Semana Santa, em especial durante as procissões.
Há registos que já no final do século XVII se dançavam as saias em toda a zona – hoje Alto Alentejo – embora com estilo diferente e muito ao sabor da Andaluzia.
Como já referido as saias é uma moda característica de toda a província do Alto Alentejo, podemos no entanto localizá-las nos concelhos a norte Ponte de Sôr e Nisa (aqui modas de estralos) com um sabor bastante diferente dos concelhos de Campo Maior, Sousel, Avis ou Fronteira.
Na vila de Redondo, onde mercê da Serra de Ossa desaparecem quase por completo. Começa aqui a sentir-se o Cante Alentejo – Cantadores de Montoito (Redondo).
Esta dança apresenta-se-nos em várias formas:
Saias Velhas – mais antigas dançadas em forma de valsa-mazurca
Saias Novas – dançadas nos dias de hoje em forma de valsa campestre.
Ainda que com estas pequenas diferenças, as saias velhas ou novas têm mais a ver com o seu aparecimento, isto é, saias novas eram aquelas que apareciam normalmente em finais de Setembro, pelo São Mateus em Elvas, a grande Romaria do Alto Alentejo para onde convergiam muitos romeiros e onde permaneciam durante oito a dez dias.
Durante a sua caminhada para Elvas, normalmente em carros, churriões ou charretes – puxados a mulas ou cavalos – pernoitavam em várias localidades onde, sobretudo ao serão e em volta de fogueiras dançavam modas que iam aparecendo ao longo do ano.
As saias velhas davam lugar às saias novas, muitas vezes com formas de dançar semelhante.
Saias Aiadas – são aquelas em que o cantador grita um “ai” no estribilho, indicando desta forma a volta.
Há quem defenda que haverá outra forma de dançar saias, as puladas. Em meu entender e como já referi as saias são dançadas de forma valseada, com os pés bem rentes ao chão, pelo que não faz sentido Saias Puladas.
A moda de saias varia um pouco de região para região, havendo até mesmo estilos diferentes na mesma região.
De quadrilha, de roda ou em coluna. Acontece e não poucas vezes que o mesmo grupo de pessoas ao toque do tocador possam elas mesmo evoluir na mesma dança permitindo-lhes várias marcações. É disso exemplo as Saias de Longomel, freguesia de Ponte de Sôr ou a Martunheira na zona de Portalegre.
Pode também acontecer que durante o mesmo toque grupo de pessoas se combinem para as dançar em estilos diferentes.
As Saias são por natureza cantadas havendo sempre um tema que poderá ser de amor, de escárnio ou mal dizer, mas sempre um despique/desafio.
São por norma cantadas por homem e mulher. Podendo também ser cantadas por duas mulheres quando há um homem por “meio” ou até por dois homens quando haja uma mulher em disputa. Eram no entanto situações muito raras pois o povo não se expunha com facilidade, era bastante discreto.
Como já referi as saias eram dançadas ao som do canto do homem e da mulher.
Como forma de interpretação teremos:
Cantar os 4 versos seguidos, repetindo o terceiro e o quarto e a seguir o primeiro e o segundo
Cantar o primeiro e o segundo e repetir e depois cantar o terceiro e o quarto e repetir.
Raras vezes acontecia cantar-se a quadra seguida passando imediatamente à quadra seguinte.
Como exemplo de uma moda de saias teremos – Saias do Adro – do Rancho Folclórico dos Fortios – concelho de Portalegre cuja coreografia é a seguinte:
Compassada, com um ritmo lento e melodioso. Não são batidas, são sempre valseadas e dançadas em roda.
Na marcação inicial, os homens vão ao meio girando sobre si mesmos para o lado direito valseando. Quando chega ao centro da roda juntamente com os outros homens, p sentido muda, gira para a esquerda e retoma ao sitio onde principiou. O homem faz isto no o período que ocupa a primeira quadra da música enquanto a mulher valseia na posição inicial.
A quadra é dobrada e inverte-se a situação, é a vez da mulher proceder exactamente da mesma forma que o homem executou, enquanto o homem valseia no mesmo sitio de onde arrancou.
Na segunda parte em que a mulher canta, os pares agarram-se e valseiam no mesmo sitio, depois a quadra é dobrada e os pares valseiam agora, mas em roda.
Esta marcação é repetida duas vezes, de acordo com a letra das saias, que é composta por 4 quadras que são dobradas.
De referir que as modas de saias sempre foram só cantadas ou cantadas e dançadas com um suporte musical. Não era por não haver quem tocasse que se deixava de cantar e dançar.
Isto porque não se conhecendo Instrumento Musical que tivesse origem no Alto Alentejo, eu defendo há muito que a Viola Campaniça (*) também aqui se tocava em várias funções, muito embora a sua implantação tenha raízes mais acentuadas no Baixo Alentejo onde nos dias de hoje ainda encontramos meia dúzia de tocadores o que não acontece no Alto Alentejo, pois à cerca de 50 anos que não se conhece tocador. O Harmónio é “importado” da Alemanha no último quartel do século XVIII dando posteriormente lugar à Concertina e ao Acordeão.
A Harmónica ou Realejo entra em Portugal em meados dos anos trinta do século passado.
As Saias são bem mais antigas que estes Instrumentos Musicais.
Resta-nos o Adufe de origem árabe e o pandeiro. São ao som do pandeiro as mais autênticas.
Como já referi a carta da Dança Popular Portuguesa não está feita. Desse trabalho que por certo ainda será realizado devem constar todas as danças conhecidas, sua origem, marcações coreográficas e geográficas, estilos, etc e por certo porque se chamam Saias a moda mais característica do Alto Alentejo.
(*) Hoje estudiosos na área da musicologia já concordam comigo no que diz respeito ao uso da Viola Campaniça em algumas localidades do Alto Alentejo.
Aos cinco de Junho de 2004.

Bonecos de Santo Aleixo

Teatro Popular
A actividade artística dos bonecos articulados, de engonços, manipulados por pessoas que os movimentam e lhes emprestam as vozes para servirem de actores na representação de Peças de Teatro, é uma prática tradicional de tempos remotos.
Boneco articulado ou Boneco de engonços (articulados), como é evidente não se aplica aos Bonecos de luva.
Donde vieram e quando chegaram até nós os bonecos articulados?
As legiões de Júlio César, imperador romano, quando chegaram a Península Ibérica traziam ao seu serviço titereiros acompanhantes.
Certamente que os nobres peninsulares lhes seguiram a moda.
Este será porventura o testemunho mais antigo.
Justamente na linha desta influência assinala-se a actividade artística do Teatro de Bonecos, tiveram a aura a partir dos reinados dos Filipes.
O Teatro era divertimento e também difusor de ideias e questões com a palavra dita em voz alta. Logo se ergueram barreiras para impor vigilâncias, condições e normas.
A Igreja aparece, aliás como sempre, com autoridade plena e refreia os ímpetos desses divertimentos, indicando quais os preceitos e preconceitos religiosos.
Face a esta posição da Igreja que o Teatro dos Bonecos atingiu grande popularidade. Fácil de deslocação aceitavam-se de bom grado as representações bonecreiras, onde, em paródia se podia criticar. Cantar e representar, o que não seria possível com figuras humanas.
Peças de Gil Vicente, Lope de Veja, Calderón e outros autores da mesma linha levaram o Teatro de Bonecos a uma época de ouro.
Depois dos salões – Teatro Litúrgico e das Cortes – criou-se uma grande influência pública para outros locais de fácil acesso do público em geral – pátios. Casas de lavoura casões, etc -.
O Teatro de Bonecos regista-se por escrito no reinado de D. João V com grande preponderância em Lisboa.
Chamou-se de Bairro Alto a primitiva Casa dos Bonecos onde se representaram várias peças sendo de salientar as Óperas do Judeu e que, parece, durou de 1733 até ao terramoto em 1755.
De sucesso em sucesso o Teatro dos Bonecos foi durante muito tempo o único divertimento a que o povo concorria.
Assim tradição do Teatro dos Bonecos chegou até nós.
Nesta técnica de manipulação de bonecos articulados temos no Alentejo os Bonecos de Santo Aleixo.
Santo Aleixo é uma freguesia de Monforte que dista cerca de 50 Kms de Estremoz que é o centro bonecreiro de barristas.
Será que Estremoz através dos seus artistas teve alguma influência como difusor dos bonecos ?
Ao certo ninguém sabe as origens do aparecimento dos Bonecos de Santo Aleixo.
Sabemos que por tradição passou de pais para filhos sendo que muitas vezes estava numa só família a apresentação e que andavam de terra em terra durante meses.
O mais antigo bonecreiro que há memória foi o velho Promocena. natural de Santo Aleixo, como o povo lhe chamava, distorcendo o verdadeiro nome – Nepomuneno.
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Conta-se que era um homem muito respeitável, muito entendido nos Evangelhos e na História Sagrada.
Versejador e que com muita facilidade glosava motes, característica muito importante para desenvolver esta actividade onde havia a necessidade do improviso.
Num dia, uma altercação fatal provocou a morte dum homem. Com o Promocena metido nisso desapareceu de Santo Aleixo, fugindo para outros lugares fixando-se depois em São Romão – Vila Viçosa -.
É que se a justiça o procurasse estava mais perto da raia de Espanha. Mas veio o esquecimento.
Para seu sustento criou o modo de vida dos Bonecos que, baptizados com a origem do Promocena assim se fixaram até hoje.
Uma bisneta do Promocena casou-se com um homem que tocava guitarra e que aprendendo todo o reportório formou uma companhia.
Este ao envelhecer vendeu todos os bonecos a António Talhinhas que tomou o papel de Mestre Salas e que com o seu núcleo familiar foram durante muitos anos detentores de todo o espólio até que foram adquiridos pelo CENDREV – Évora que, e ainda bem mantém em actividade um grupo especialmente constituído para o efeito.
Neste momento, para manter esta tradição, para além do CENDREV, há um outro grupo em S. Bento do Cortiço no concelho de Estremoz, em que encontramos representações com aquele cariz que sempre caracterizou os Bonecos de santo ASleixo. É dirigido pela D. Ermelinda Dias e os bonecos foram feitos pelo senhor João Morgado que como elemento do grupo toda guitarra.
Como são feitos os bonecos?
Os bustos entalham-se em madeira e o resto do corpo em trapo e algum esgalho de madeira, no esqueleto e nos pés para fazerem sapateado. São decorados sem relevos, em formas primárias e pintados toscamente nos olhos, nos cabelos, na barba e na boca. Os fatos são feitos de trapos coloridos. Um arame de grossura variável com tamanho de cerca de 3 palmos, preso à cabeça, serve ao manipulador para evoluir na cena.
O palco é composto por um estrado pequeno, sobre estacas, resguardado atrás dum rectângulo formado por cortinas de ramagem, mais ou menos de 3X4 metros. A boca do proscénio fica na parte central. Entre a cena e o público há uma dupla cortina de fios, dispostos verticalmente, que mantêm uma ilusão dos arames, confundidos com os arames. Os cenários são pintados sobre cartão forte e têm uma quadratura de meio metro. As cortinas de ramagem escondem os manipuladores que actuam sobre duas banquetas laterais para lhes dar altura na função. O número de intervenientes é de 4 mais 2 ajudantes que fazem coro mais um guitarrista. As representações têm lugar em celeiros, casões ou barracões amplos, desocupados durante o Inverno, período de mais actividade dos bonecreiros.
O espectáculo começa com uma apitadela. Tudo escuro e começa a música de contradança na guitarra. É chamado o Baile dos Anjinhos. Segue-se um texto dramático, tirado da Bíblia que versa a Criação do Mundo. Tem analogias com o auto de Adão e Eva muito representado no norte do país. Mas se o tema é idêntico o desenrolar é bastante diferente. Aqui o jogo cénico é feito em diálogo com dois apresentadores – Mestre Salas e o Padre Chanca.
O desempenho do Mestre Salas será a dum antigo Mestre-cerimónias. Personagem jovial, esperto, bom cantador, rapioqueiro, fadistinha e com muita bazófia. Vence todas as dificuldades e trás sempre uma bengalinha na mão. Tem uma prima com quem canta, namora e também baila. Sobre o Padre Chanca – Chantre da Sé – apresenta-se de batina, cabeção, mitra e um guizo na mão esquerda. De cabeça disforme, serve de bombo de
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festa. É um clérigo devasso mas simplório, caindo em todas as esparrelas. Em casa tem uma ama que dá pelo nome de comadre e “serve para vários serviços”. Quando há “balhinho” desce à cena e dança com ela, provocando chalaças da assistência.
Depois da apresentação do Auto da Criação do Mundo o espectáculo continua com entremezes ou quadros, a que dão o nome de “balhinhos”.
Os assistentes trazem bancos ou cadeiras de casa. Há também quem fique de pé.
O Baile dos Anjos
Quatro pares de anjos descem do firmamento rodopiando ao som duma contradança tocada na guitarra.
O anjo Custódio à frente faz as piruetas de primeira figura. A cena vai escurecendo. Da direita entra um circulo iluminado com figura de Sol, que vai percorrendo o palco até à esquerda. A cena está toda em luz.
Um coro entoa:
Já lá vem nascendo o Sol
Que a todo o mundo dá luz
Reverdecem as flores
Para sempre Ámen Jesus
Depois do Sol desaparecer surge a Lua. A iluminação do palco é difusa. O círculo que figura a Lua entra também pela direita, enquanto o coro segue dentro da mesma música:
Já lá vem nascendo a Lua
Que Deus fez omnipotente
Mostra uma luz fecunda
Caminha para Ocidente.
No final do coro á “á parte” entre bastidores dizem - Que dias tão pequenos -.
Comentários e disputas das atribuições do Sol e da Lua em dois bonecos alusivos
Os dois
Senhores, por obediência
Lhes pedimos atenção sua
Para ouvirem uma conferência
Que teve o Sol com a Lua.
Sol
Eu sou o Sol brilhante
Que a todo o mundo dou luz
Deu-me este poder Jesus
Para ser o astro mais constante
Sou dos astros mais dominante e em tudo dominarei
Eu nunca descansarei
Pela minha natureza
Sempre móvel me virei
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Lua
Eu sou aquela luzerna
Que a todo o mundo dá claridade
Fez-me Deus esta vontade
Só em mim Cristo governa
Deu-me Deus o ser eterna
Para crescer e minguar
Para de noite iluminar
Nas campinas os pastores
Passando muitos rigores
Sempre pouca luz irei dando
Mas sempre me estou lembrando
De os teus lindos resplendores.
Sol
Com os meus autos e rigores
Eu te digo para que creias
Tu Lua só alumeias
De noite aos malfeitores
Com os meus lindos resplendores aqui ficas autorizada
Se estás de estrelas coroada
Podes seguir o teu giro
Eu de aqui não me retiro
Sem te ver martirizada.
Lua
Assim como Deus me premeia
Eu me vejo comprometida
Em quatro quartos dividida
Lua Nova e Lua Cheia
Todo o astro me rodeia
Assim rezam as profecias
Assim afirma Zacarias
Que já há muito é morto
Nós temos perto o porto
De esta vida ao Messias
Sol
Que alegria é essa
Tal bem nos veio trazer
Lua
Deu-nos Deus a graça
E o Senhor
O ventre puro de Maria
Ambos
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Ó que gosto ! Ó que empenho !
Ó que oferta a adoração
Louvamos Jesus Cristo
Deus de toda a redenção
Entra o Padre Chanca e diz
Deus de toda a redenção
Nos dê paz e eloquência
Para desempenhar com ciência
Toda a nossa obrigação
É de muita ponderação
O real povo aplaudir
O nosso gesto é divertir
Tudo com muito asseio
Ora viva para que sirva quem veio
Ao nosso adivertimento assistir.
Coro – Ora viva para que viva!
Entre Mestre Salas muito jovial e diz
Adeus senhores e senhoras
Estão bons e passam bem?
Eu estou bom e teso como um rapaz da pândega
(virando-se para o Padre)
Adeus senhor Padre Chanca! Está bom e passa bem?
Chanca
Adeus Mestre Salas. Estás bom e tens saúde?
Há tanto tempo que não nos víamos (abraçam-se)
Olha: (declama com gravidade)
O Sol e a Lua é espelhente
E devemos crer nessa fé
A nossa obrigação é
Em sermos a Deus temente
Amá-lo devidamente
Muitas vezes a contínuo
Quando Deus era menino
Esta máquina formou
Tudo no mundo criou
Pelo seu poder divino
Resposta no mesmo tom
Mestre Salas
Pelo seu poder divino
Tanto que Adão e Eva formou
Por isso cá nos deixou
Em cada coisa seu destino
Deus também foi um menino
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Deus também teve pobreza
Devemos crer com certeza
Assim reza a escritura
Deus passou muita amargura
P´ra dar ao mundo clareza
Chanca (à parte)
Saber é saber (abraçam-se)
Meus senhores está chegada a hora
De começar no nosso divertimento
Para os senhores que estão cá dentro
E mais alguns que estão lá foram
Nós vamos já sem demora
Dar principio à nossa função
De dentro do nosso coração
Confiando em nossa almas
Ganharemos as vossas palmas
Se nós merecermos atenção
Mestre Salas (continuando a representação)
Se nós merecermos atenção
Palmas desejamos ouvir
Para o povo aplaudir
Estamos na ocasião
Com a nossa habilitação
Nós vamos experimentar
Cada um peça o que desejar
E seja da vossa pendência
Nós estamos à obediência
De quem nos veio visitar.
(apito) baixa o pano
Auto da Criação do Mundo
Cenário de arvoredo. Baixa a imagem de Deus e ouve-se a sua voz salmodiada.
Deus
Faça-se o homem à minha imagem e semelhança
Levanta-te Adão. (ergue-se a figura de Adão em nudez completa)
Olha Adão. Aqui ficas senhor deste paraíso terreal. Goza de todas as delícias mas não bulas nem toques no fruto dessa árvore que aqui está no meio. Na hora em que tocares saberás a ciência do bem e do mal
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(desaparece a figura de Deus)
Adão (andando de um lado para o outro)
Que solidão é esta em que existo? Apesar de estar senhor do paraíso terreal, vivo só. Se vós me conseguísseis companhia, meu Deus !
(baixa a figura de Deus)
Deus
Ó Adão o que te faz falta?
Adão
Companhia, Senhor
Deus
Pois não é bem que o homem viva só. Faça-se a mulher à sua imagem e semelhança. Levanta-te Adão! Levanta-te Eva.
(erguem-se as duas figuras)
Deus
Aqui ficam ambos de guarda a este paraíso terreal. Mas cuidado! É proibido comerem o fruto desta árvore que se chama ciência.
Sois carne da mesma carne e osso do mesmo osso. Tanto se unem um ao outro que hão-de parecer duas carnes e um só osso.
(sai Deus. Logo se ouve um barulho dum réptil. É uma serpente que espanto enroscando-se às árvores e, chegando-se a Eva, interpela-a)
Serpente
O que fazes tu Eva, porque não comes do fruto desta árvore, que está no paraíso?
Eva
Disse-nos Deus que não bulíssemos nem tocássemos no fruto desta árvore. Na hora em que o comermos saberíamos a ciência do bem e do mal.
Serpente
Enganou-te. Nas horas em que o comeres abrirás os olhos.
Eva
Guardo o meu desejo
Serpente
Chega esta maçã e come-a.
Eva (saboreando a maçã)
Oh que fruto tão delicioso. Comerei e levarei ao meu marido.
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Toma Adão que é da árvore que está no paraíso terreal.
Adão
O que nós comemos? Ai mulher que me enganaste. Fizeste quebrar o preceito que Deus nos tinha posto. Ai que miséria! Que miséria, meu Deus.
(baixa Deus à terra)
Deus
Ó Adão! Onde estás tu Adão
Adão
Senhor, ouvi a sua voz e escondi-me porque estava nu.
Deus
Anda cá Adão. Então porque fizeste isso?
Eva
Foi a serpente que me enganou
Deus
Venha cá a serpente. (chega a serpente)
Então porque fizeste isto?
Serpente
Invejada a minha sorte
Pelo estado em que me vê
Não queria que ninguém lograsse
Carinhos que eu já logrei.
Deus
Pois maldita serás
De rastos andarás
Terra comerás
E dela não te fartarás
E tu Adão! Que deste atenção à voz da tua mulher, a terra para ti vai criar espinhos e abrolhos. Ganharás o pão com o suor do teu rosto.
E tu Eva
Com dores parirás os teus filhos e ficarás sujeita à obediência do teu marido.
E agora, à vossa vista, vão passar todas as feras, animais e aves a que porão a cada qual seu nome.
Seguidamente serão expulsos do paraíso terreal com uma explosão de fogo.
(explosão de lumes)
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No final vem um anjo com uma luz e diz:
Criou Deus uma árvore
No paraíso terreal
Eva imaterial
Não querendo ficar só
De Adão não teve dó
Assim nos veio enganar
Foi decreto do Altíssimo
Sair deste lugar
Com uma explosão de fogo.
(cai a chama, saem Adão e Eva)
Passagem dos Animais
Entra um borrego acompanhado pelo Mestre Salas que diz:
- Toca, toca, lá para fora
Olha coitado, parece mesmo o avô do Caisarão. Morreu cheio de ronha, tal e qual anda o neto
Que animal foi este que aqui passou?
Responde um espectador
Foi um borrego
Mestre Salas
Cheira-lhe o rabo meu patego
(sai o borrego, entre um cão)
Mestre Salas
Fora, fora, lá para fora!
Cautela que ele tem mau dente
Que animal foi este que aqui passou?
Responde um espectador
Foi um cão
Mestre Salas
Assim és tu e teu irmão
(sai o cão e entra um porco)
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Mestra Salas
Fora, fora, lá para fora!
É rapaz parece mesmo Manuel do Serrado. Olhem o focinho, se não trouxesse arganel foçava a torto e a direito.
Que animal foi este que aqui passou!
Um espectador
Foi um porco
Mestre Salas
Cheira-lhe no rabo meu torto
(sai o porco e logo entra um boi furioso a marrar. O Mestre Salas desafia-o e foge exclamando alto)
Mestre Salas
Ó Padre Chanca
Padre Chanca
O que é?
Mestre Salas
Venha abaixo que está aqui o Chico do Janico que se quer confessar.
(vem o Padre e o boi corre para ele. O Mestre Salas ri e comenta)
Mestre Salas
O Senhor Padre Chanca vá na cabeça que eu vou-lhe ao rabo.
(depois duma pega pergunta para a assistência)
Que animal foi este que aqui passou ?
Um espectador
Foi um boi
Cheira-lhe o rabo que ele já se foi
(sai o boi. Mestre Salas fica a um canto esbaforido enquanto entra um corvo a uivar por cima da árvore do paraíso e grasnando – quá, quá .. quá, quá)
Mestra Salas
Eh que passaranho mais negro! Assim pela cor parece mesmo o Joaquim Capaleve.
Que animal foi este que aqui passou?
Um espectador
Foi um corvo
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Mestre Salas
Cheira-lhe no rabo e dá um sorvo.
(sai o corvo e vem a pomba a voar também por cima da árvore do paraíso)
Mestra Salas
Ai que passarinho tão bonito. Ser, ser… ser, ser. Ai que passarinho tão bonito! Pousa, pousa, pousa aqui no meu pousinho.
(a pomba pousa na árvore do paraíso)
Ó senhor Diogo do Carapeto. Empresta-me o seu boné para o apanhar que está no choco? (vai agachado e tenta subir à arvore. Quando tenta cai e bate com os dentes no chão e diz:
Ai meus belos dentes! Assim sucede ais rapazes novos. Por causa dos passarinhos é que eles partem os focinhos.
Então que ave foi esta que aqui passou?
Um espectador
Foi uma pomba
Mestre Salas
Olha, mete-me rabo a tua tromba.
(música de guitarradas)
Neste mesmo cenário
Abel e Caim. Dois irmãos com pensamentos desiguais, até opostos:
Abel - fiel a Deus
Caim – mau e invejosos, contrário a Deus.
Vem Abel com um cordeiro às costas, acompanhado de toque sentimental. Ajoelhando-se exclama:
Abel
Senhor! Eu sou um reles pastor, beato, recto e santuário. Ofereço um cordeiro de este meu gado mais nédio. Aceita Senhor! Que tudo o que tenho é vosso. Como sou pobre e recto dou tudo o que posso.
(uma chama ilumina a cena e o borrego desaparece. Fica só Abel, ajoelhado. Logo Caim, zombeteiro e que grita)
Caim
Criado de seu irmão Abel
Então o que andas por aqui fazendo e sargentiando?
Abel
Ora adeus, irmão Caim. Vim ofertar um borrego a Deus Nosso Senhor.
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Caim
Furtar um borrego a Deus Nosso Senhor
Abel
Não, não. Oferecer em mil sacrifícios pelo bem que nos tem feito.
Caim
Olha o que você é de esmoler. Talvez o melhor borrego que tinha no seu rebanho lhe viesse encaixar com ele nas unhas. Então você não sabe que Deus é muito rico? Deus é que dá tudo, não precisa das suas migalhas nem migalhices de ninguém
Pois você tem de tratar de outra vida; comer à moda, trajar ao uso, chapéu de esguelha, fivela à canha, relógio de pendura com seus pesos de fora e, arre cá, e arre lá, veja-se esta boa sentença. Comigo não e aguardo for (sai Abel)
Caim
(de joelhos) Senhor! Eu sou homem que rompe a terra. Quero para mim o produto que ela der. Tenho em casa sete ou oito espigas que bem mal gradas estão… Se tem quem vá por elas mande, que eu não tenho quem as traga e aguardo fora.
Abel
(entra e diz) Senhor! Perdoai ao meu irmão Caim que é tão mau e turbulento. Perdoai-lhe Senhor
Caim
(chega de novo) Olá irmão Abel
Abel
Ora adeus irmão Caim
Caim
Então tu não sabes que está chegada a hora e o último momento da tua vida?
Abel
Então porquê irmão Caim?
Caim
Porque você é um trapaceiro. Anda com inzonas a Deus Nosso Senhor contra mim. Julga que eu não vi? Para o seu sacrifício houve fogo; para mim nem foguetes. Além disso, você sendo um reles pastor, quanto menos ovelhas tem mais borregos cria. Eu, um grande lavrador, quanto mais semeio menos recolho, quanto mais ovelhas tenho menos borregos cria. Tudo isto, é das aldrabices e trapaceiras que diz a Nosso Senhor contra mim.
E sobre a sua morte alvitram muitos outros; uns que o leve para o campo e lhe dê com um pau; outros com uma pedra, outros que o deite a um poço. Mas morto há-de ser, não haja dúvidas, com esta queixada que aqui trago debaixo da jaqueta. Quer vê-la ?
Abel
Perdoai irmão Caim. Olhai que sou do vosso sangue.
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Caim
É o mesmo que me não fosse nada. Hei-de matá-lo, já formei essa tenção.
Abel
Perdoai irmão Caim. Tudo isso são inzonices que o Demónio tem metido no seu sentido.
Caim
Você é que não sabe onde está metido, seu caga-larachas. Prepare-se para a cheirar
Abel
Perdoai irmão. Farei o sacrifício por si que for mais louvável e aceite.
Caim
O que lhe importa que eu faça sacrifícios ou não
Zus! Catrapuz! (mata Abel)
Abel
Seja pelo amor de Deus.
Caim
Seja por essa caldeirada de nabos. Aqui fica morto sem mexer com pé ou mão. Todo se esganiou. É que fede e cheira mal.
(a luz sofreu alteração. Vem um grupo de anjos dançando, acompanhados à guitarra que levam o corpo de Abel para p céu. O coro entoa estes versos
Já Caim matou Abel
Sem motivo nem razão
Já os anjos o levam
Para o céu em procissão
(vem a fiandeira, mão de Caim e Abel)
Fiandeira
Ai meu rico filho! Caim mataste teu irmão Abel. Ai filho, filho. Abranda-me as minhas lágrimas.
Caim
Como quer que eu as abrande, mãe, se o meu coração é de ferro e as entranhas são de bronze?
Fiandeira
Ai filho, filho! Tu…. Tu…. Tu…. Chi… Chi… Chi…
Caim
Ó filho duma puta. Este diabo é a minha mãe. Tudo isto por eu matar o meu irmão Abel.
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Mas eu matei-o está morto. Fiz eu muito bem. Um homem, em fazendo um feito está feiro; em dizendo está dito. O falado falou-se e o que ardeu queimou-se.
Se me mandarem para o inferno eu fujo. Sou muito leve. Salto um pulo para aqui, outro para ali e outro para além. Ó pernas fidalgas! Por pés ninguém me apanha.
Se não monto no António Acalca que é capaz de avançar pelos infernos adentro.
(ouve-se uma voz soturna do além)
Voz
Ó Caim!
Caim
Se caiu levante-se
Voz
Onde está teu irmão Abel?
Caim
Sei lá do meu irmão Abel. Não sou guarda dele nem o trago às costas.
Voz
O sangre do teu irmão reclama vingança sobre ti.
Voz
Vou pôr-te o meu sinal.
Caim
Já agora não me arrependo
(vem uma nuvem de fumo e Caim fica condenado com a cara toda preta. Como se trata de bonecos, a personagem tem duas caras cobertas por um capuz. Basta só rodar e a ilusão é completa)
Caim (lamentando-se)
Bá…bá…bá…bá…bá….bá… Ai como eu fiquei. Vá lá a gente mangar com as coisas de Deus. Deram-me a maldição pelos narizes e fiquei mesmo da cor do Gaimão. É o mesmo. Já não me arrependo. Há para aí mais diabos (na plateia) que queiram jogar às cartas comigo?
É lá que iremos que é você (nomeia um da plateia).
(a cena aqui mudou-se. O recinto é o inferno, com grades nas janelas cheios de picos e línguas de fogo por todos os lados. Já com Caim estão mais bonecos em formas de bichos, dando-se-lhe o nome do baile dos cágados. Tornam os diálogos invocando e chamando para o inferno as pessoas mais conhecidas da assistência)
Caim
Quem diremos que é você?
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Bicho
Eu sou o kaiserão
Caim
Venham mais diabos, que ainda lá não estão todos
Quem duremos que é você?
Bichos
Eu sou o cabo Xele (um da plateia)
(agarram-se todos s bailar com os chocalhos a tocar. Deitam-se bombas de Carnaval. Pulando em confusão e alvoroço saem e termina o número)
Ter em atenção que os nomes (axexins) são sempre de pessoas que estão na assistência e que previamente alguém terá o cuidado de saber e se a pessoa em causa não se aborrece de ser nomeado
Passos do Deus Menino
Cenário com três portais.
Dum sai S. José puxando uma burra onde vem a Virgem montada, um anjo à frente segue-os, cantando:
Lá vai José e Maria
Caminhando para as montanhas
Ela vai muito pejada
Leva Jesus nas entranhas.
Chegada a Belém, S. José bate a uma porta e diz:
Ó senhor desta pousada
Dai-me cómodo e abrigo
Trago esta mulher pejada
O tempo corre perigo.
(responde o estalajadeiro com voz alta)
Eu não posso acomodar
Mulher com dores
Muito nos vem incomodar …
S. José
Vamos querida esposa
Sobre as ruas de Belém
Tenho aí alguns amigos
E alguns parentes também
(caminham sempre ao som de música pausada da guitarra que só pára quando vem a fala das personagens)
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Virgem
Vamos querido esposo
(S. José bate à segunda porta)
Truz, truz, truz
Voz de dentro
Quem é que vem ?
S. José
Seu primo José
Abrigo lhe convém
Voz
Eu não conheço meu primo
Nem de esse prazer venho
Não quero desassossego
Aos hóspedes que cá tenho
S. José
Vamos querida esposa
Virgem
Vamos querido esposo,
Caminho da boa aventurança
Mais caminham e procuram abrigo.
S. José
Ó senhor desta pousada
Dai-me cómodo e bom recato
Trago a mulher pejada
E o tempo é chegado
Estalajadeiro
Saiam por esse portal fora!
Tenho tudo em bom sossego
Não se abrem portas a esta hora
Não quero aqui desassossego.
S. José
Vamos, querida esposa
Virgem
Vamos querido esposo
(seguem sempre ao som da música da guitarra. Ao fim encontram uma choça onde se abrigavam uma vaca e uma mula. Nasce o Menino Jesus sobre umas palhinhas, junto dos animais)
Vem um anjo cantando
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Alvíssaras, povo auditório
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria
(continua a música pausada. Agora vem outro anjo que diz)
Gaspar, Belchior e Baltasar
Eu aqui por Deus mandado
Para vos acompanhar
(o anjo, à frente dos três Reis, seguindo uma estrela, fala,)
Dá-me licença Senhor
Que adoro vossa perfeição
Aonde os anjos estão
Gozando com sumo amor
O seu lindo resplendor
Anuncia a voz do céu
Rasgaste-se humano véu
Aonde tudo se encerra
Paz aos homens na Terra
Glória in excelcis Deo.
(entra o primeiro Rei e diz, depois de beijar o Deus Menino)
Senhor eu sou Rei aspar e Mónia
Trago a meu mandar
A maior parte da Canimónia
(oferta ao Deus Menino)
O meu oferecimento é oiro
Oiro, meu divino Rei
No meu monumental tesouro
Foi o melhor que encontrei.
(vem o segundo Rei)
Senhor!:
Eu sou Rei Príncipe da Pérsia
Trago a meu mandar
A maior parte da Grécia
(oferta ao Deus Menino)
O meu oferecimento é incenso
Ou clemente
Para oferecer ao Menino
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Filho omnipotente
(terceiro Rei, sendo preto)
Senhor!
Eu sou Rei da Manicheta
Na maior parte da Amazona
Nasceu um menino sem teta
(oferta ao Deus Menino)
O meu oferecimento é sal e mirra
Não tenho mais que lhe ofertar.
Sei que haveis de morrer
E haveis de ressuscitar.
Os três Reis beijam o Menino e seguem, mas não pelo mesmo caminho, por temerem Herodes.
Vêm os pastores ao som de chocalhos, que são dos rebanhos
São três – Silvestre. Zagalo e Perna Gorda. Chegam e pedem licença.
Um anjo do alto do presépio e canta:
Entrai pastorinhos entrai
Por esse portal adentro
Vinde ver o Deus Menino
No seu Santo Nascimento.
(os pastores admiram-se de o Menino estar nas palhinhas. Beijam-no e fazem ofertas)
Dizem os três:
O que damos nós ao nosso Deus Menino
Silvestre
Eu dou-lhe uma pelinha
Muito bem sovadinha
Para o Senhor fazer a caminha
Zagalo
Eu dou-lhe uma quartinha de leite
Para que lhe aproveite
Perna Gorda
Eu dou-lhe uma colherzinha
Muito bem bordadinha
Para a Mãe lhe dar a papinha!
(Beijam e chochorreiam o Menino e depois despedem-se)
Adeus, adeus nosso belo Menino
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Diz Silvestre
Então temos que cantar umas cantigoilas à visto do belo Prodígio
(começa dançando e cantando o seguinte verso)
Eu tenho o meu pão no forno
Minha mulher a morrer
Nem que minha mulher morra
Meu pão não se há-de perder.
(diz o Zagalo a Perna Gorda e a Silvestre)
Vamos embora, eu a esta hora andam os lobos com as ovelhas e as ovelhas com os lobos.
Perna Gorda
Vamos dar mais um beijo ao Menino, que tem uma cara tão pequenina e tão linda!
Silvestre (acompanhado pelos outros)
Adeus, adeus, belo Prodígio!
(saem dançando com as samarras)
Passo do barbeiro
(aparece um boneco com uma bata branca e dizendo)
Há para aí alguém que queira fazer a barba?
(responde um qualquer da assistência)
Quero eu.
Barbeiro
Quem é o senhor
(entrou outro boneco que representa o freguês que falou e responde:)
Eu sou o João Picamilho
Barbeiro
Sente-se faça favor. (o boneco senta-se). Como é que quer o serviço? O bigode vai fora ou fica?
Freguês
Fica
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Barbeiro
Vem como uma gadanha e chamando por uma gato
Bichiu … bichiu … bichano …
Freguês
O que é que você está a chamar?
Barbeiro
São os gatos que estão avezados aos bocados de carne que sobram da cara dos fregueses.
Freguês
Eh! Lá! Veja como é isso. Então o que traz aí na mão?
Barbeiro
É a navalha
Freguês
Parece mas é uma gadanha
Barbeiro
Prepare-se que vamos começar
Freguês
Ai, ai mestre. Arranca-me tudo.
Barbeiro
Está áspera? Eu arranjo já. (começa a afiar a gadanha no chão e vai outra vez fazer a barba)
Freguês
Agora escapa. Está um pouco melhor.
(acabada a barba, o freguês com a toalha ainda posta, ouve uma guitarra e começa a bailar o fandango. Com os trejeitos entorna a bacia e diz.)
Oh que bela tocata tem cá o mestre. Eu não posso estar quieto.
Barbeiro
Sente-se. Você está maluco.
(tira-lhe a toalha, limpa-lhe a cara e o freguês sempre bailando. Às tantas, o barbeiro cansado de esperar pergunta)
Barbeiro
Então você não procura contas?
Freguês – disfarçando –
Ai que rica tocata você cá tem!
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Barbeiro
Não é isso que eu quero. Você para ou não paga?
Freguês
Ai que belo piano!
Barbeiro (gritando para dentro)
Ó primo Salas vem cá abaixo.
(vem Salas e diz para o barbeiro que nessa altura é dado o nome do barbeiro da terra)
Mestre Salas
O que é que quer, ó mestre Badete?
É o… o…. o…. si… si… si… nhor… Pi… Pi…. Ca…ca…mi…mi…lho que não me quer… pa… pa…pa…gar.
Mestre Salas
Você paga ou não paga ao barbeiro?
Freguês (sempre bailando)
Ouça esta, Mestre Salas! Esta aprendi eu com o João Pulante
Mestre Salas
Eu não me interessa o fandango. Paga ou não paga?
Zuz. Catrapuz. (caiu o Picamilho)
O Mestre Salas pega na cadeirinha e dá-lhe com ela.
Toma, toma.
(até que o mata. Chega um sargento da guarda, que anda fazendo ronda e que, ao ouvir gritos, vem ver o que se passa.)
Sargento
Ó Mestre Salas! Então o que aconteceu?
Ouvi gritar, alguém em aflição?
Mestre Salas
Aqui não há nada de novo.
Sargento
Então deixe-me passar
Mestre Salas (barrando a porta)
Aqui não passa
Sargento
Então porquê?
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Mestre Salas
Já lhe disse que não passa.
Sargento
Eu sou autoridade e tenho que passar.
Mestre Salas
Mas não passa que eu não sou nenhuma passadeira.
Sargento
Eh! Eh! O que está aí nas suas costas?
Vejo um homem caído
Mestre Salas
Não sei quem é nem o tinha visto.
Sargento
Você tem que dizer quem matou este homem ou fica responsabilizado pela morte deste senhor Picamilho.
Mestre Salas
Eu? É boa. Que culpa tive eu do homem morrer?
Sargento
Diga diante de mim para o quartel.
Mestre Salas
Eu não vou porque eu não matei o homem.
Sargento
Vai, vai. E vai mesmo e é já.
Mestre Salas
Não me empurre. Olhe que eu não o vejo diante.
Sargento
Mas eu vejo bem a você! Fora. Fora.
Mestre Salas (virando-se para o Sargento)
Fora!
Zaz, zaz, catrapaz… (agarram-se. O Salas mata o Sargento)
Sargento (antes de cair grita:)
Às armas! Às armas!
(chega o Capitão. Vem montado num cavalo, acompanhado com tropas com tambor e cornetas. Chega e diz)
Quem matou estes dois homens?
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Mestre Salas
Eu não sei senhor. Eu vinha aqui passando e já estavam caídos.
Capitão
Foi você que ao matou. Vai preso. Bateria, firme! Ordinário, marche!
(o Salas foge)
Fogo! Fogo (o Salas cai. O Capitão manda seguir)
Baeria, em frente. Ordinário, marche!
(o Salas levanta-se. Ficou ferido e fala)
Mestre Salas
Ai! Ai! Ó meu capitão. Só dois minutos para me despedir dos amigos e da minha prima.
Capitão
Então faça isso depressa.
Mestre Salas
Adeus prima; tão nova e ficas sem amparo! Adeus meus amigos, até ao dia do Juízo.
(para o pelotão de fuzilamento)
Ó rapazes! Façam as pontarias que eu amanhã pago o vinho na taberna do Cheles.
Capitão (para o Salas)
Arrume-se àquela coluna.
Tropa apontar! Apontar um, dois, apontar três. Fogo.
(o Salas caiu morto fingindo e o Capitão manda andar)
Bateria! Ordinário marcha!
(voltadas as costas da tropa, o Salas vai agachado direito ao Capitão e dá-lhe uma paulada. Deitando-se bruços logo a seguir. E interrompe-se a marcha do pelotão)
Capitão
Quem falou debaixo de forma?
O Salas está morto, o Sargento está morto, o Picamilho até já cheira mal!...
Vamos em frente. Ordinário, marche!
(o Salas voltou outra vez à vida. Então com mais violência, deita-se ao Capitão e aos guardas e deita-os fora à paulada)
Mestre Salas
Toma, toma, toma…
Eh prima, não chores que eu não morri
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Meus amigos, vamos para a pândega em casa de Cheles que hoje há lá passarinhos recheados com molho de malagueta.
Sermão do Padre Chanca
Sermão improvisado por João Cartaxo, bonecreiro que manejava o boneco que desempenhava o papel de Padre Chanca. Chega ao púlpito e diz:
Senhora Dona gata morena! Estava sentada à sua janela, colocando a sua meia de seda e o seu sapatinho de virau caiu do telhado abaixo, partiu sete costelitas e metade do costau. Esta oração seja por sua intenção, para me dar um bocadinho de toucinho pata comer com pão. Chim! Golim! Tim!.
Senhores e senhoras! Se alguém não tem coração em boa disposição para ouvir as minhas palavras é favor sair. É que eu, a primeira vez que preguei este sermão foi em Borba.. Rebentaram quatro calçadas, rebentou a torre da igreja matriz caiu o badalo do sino grande na cabeça dum menino e nem um cabelo lhe arrancou, por milagre de Deus.
Caros ouvintes. Desde que preguei em Borba ficaram sempre as portas viradas para a rua, as paredes para baixo e os telhados para cima. As águas sempre correndo para baixo e não para cima. Eu disse lá palavras que a fonte das bicas parou de correr lá duas horas.
E posto isto, vou-lhes dizer qual o milagre de S. Janaquito; foi curar um unheiro da ponta dum chavelho duma vaca. S. Martinho viu vir uma vara água abaixo. Apanha-a e espetou-a no quintal. Ao fim de tempos nascerem uns rebentos. Deitou-lhe água. Daí a pouco nasceram umas folhas a que deram o nome de parras. Veio o mês de Junho deitou uns bagos verdes. Em fins de Setembro fizeram-se pretos. Provou, gostou muito. Para guardar memória meteu-os numa garrafa e arrolhou muito bem. Esqueceu-se. Ai fim de sessenta dias lembrou-se e foi provar outra vez. Ai que beleza! Tornou a provar e gostou mais ainda. Começa a sentir calor e vontade de cantar. Veio a saber que era a força daquele liquido tão puro que lhe dera aquela alegria com o nome de santo vinho tinto, esse que as mulheres vão bebendo.
São as maiores paixões que eu sinto.
E o santo vinho branco, esse que as mulheres bebem e essas paixões que eu sinto tanto. E para descansar, que já principiei o meu sermão.
Ora caros ouvintes, Vou-lhes dizer os sítios onde tenho pregado.
Primeiro foi na Orada. Não ganhei nada. Segundo na Alcavariço. Ganhei uma linguiça. Treceiro no Santo Antão. Ganhei um tostão. A seguir em santo Aleixo. Deixaram-se o cu no eixo. A seguir em S. Bento. Meteram-me o para dentro. A seguir em Santo Amaro. Fizeram-me puxar um carro.
E, para continuar, vou contar-lhes quais as três coisas mais admiráveis que presenciei na minha existência.
Quais serão, meus senhores?
Primeiro: é as aves andarem no ar e não caírem.
Segundo: os peixes andarem no mar e não morrerm afogados.
Terceiro: é os trens terem quatro rodas e as de diante serem pequenas e as de trás serem grandes e não apanharem as pequenas.
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Chim! Golim! Tim!
Entra Mestre Salas no palco e diz:
Senhor Prior! Era capaz de vir cá abaixo confessar uma pobre alienada. Mas tem de ter paciência porque ela não sabe o que diz.
Padre Chanca (entra)
Sim diz-lhe que venha. Já sei. É alguma carraça de sacristia. Eu já venho. (lá de dentro) Ó Sacristão!
Traz-me a minha cadeira.
O Sacristão traz a cadeira.
O Padre senta-se e diz
Ora venha então essa beata
Beata (lá dentro)
Estou a pentear-me.
Ai, mãe que me arrepelas.
Ó mãe, faz-me o arrepiado.
Beata (lá dentro)
De pasta é quanto basta
Beata (lá dentro)
Adeus mãe, passa bem mãe, até ao dia do Juízo!
Padre Chanca
Olhem, julga que vem morrer.
Beata (vem cantando)
Ontem toda a tarde
Hoje todo o dia
Choram os meus olhos
Porque os teus não via.
(sempre dançando)
Padre Chanca
Eh!... eh!... eh!... lá! Aqui não se canta nem dança.
Aqui é uma casa séria. Ajoelhe-se
Beata
No chão?
Padre Chanca
Então há-de ser no ar ?
Beata
Aqui não há água benta?
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Padre Chanca
Ó Sacristão! Traz água benta para esta maldechana de calar. Ajoelhe-se.
Beata
Ai meus joelhos
Padre Chanca
Olhem lá! Ainda não chegou ao chão e já se está a queixar.
Ora, bem; então tu sabes benzer-te?
Beata sei três benças
Padre Chanca
Três benças! Então quais são as benças que tu sabes?
Beata
Sei a encarnada, a verde e a azul.
Padre Chanca
Então as confissões têm cor, espravoeirada?
Beata
Pois têm.
Padre Chanca
Então diz lá a azul.
Beata
Eu namorei um rapaz que usava uma gravata azul. Gostava tanto dele! Namorei outro que tinha uma calça azul. Ainda gostava mais dele.
Padre Chanca
Se visse um burro com um cabresto azul gostavas de o namorar. Então tu sabes os mandamentos?
Beata
Ah! Sei, sei padre!
Padre Chanca
Então quantos são?
Beata
São dez.
Padre Chanca
Ora bem; lá deu uma certa
Então diz lá
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Beata
O primeiro? Andas aos coices pelo mundo inteiro
Padre Chanca
Valha-me Deus, onde estou metido!
Então o segundo?
Beata
É andar aos coices por esse mundo
Padre Chanca
Parecia-te pouco uma, arrumaste-lhe duas
Então o terceiro?
Beata
Levanta-te da cama e vai para o espojeiro.
Padre Chanca
Já sei que tenho que te aturar até ao fim.
Então o quarto?
Beata
É jejuar depois de farto
Padre Chanca
Ai que estupor não diz senão asneiras!
Então o quinto?
Beata
Pus-te a albarda e apertei-te o cinto.
Padre Chanca
Em que trabalhos me meti!
Então o sexto?
Beata
Dizia-lhe muito bem um cabresto.
Padre Chanca
Então o sétimo
Beata
Das orelhas saiu-me esperto
Padre Chanca
Olha, esperta me saíste tu. E parecias parva!
Então o oitavo?
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Beata
Pareces mesmo um pato bravo.
Padre Chanca
Valha-me Deus
Então o nono?
Beata
Olha para trás não venha o dono.
Padre Chanca
Então eu tenho alguma coisa roubada?
E o décimo?
Beata
Para cavalaria tens préstimo.
Padre Chanca
Tu nem para isso deves prestar.
Então esses dez mandamentos em quantos se encerram?
Beata
Em dois
Padre Chanca
Sim, sim. Então quais são?
Beata
Se deres os coices antes não os dás depois.
Padre Chanca
Tu deste-os antes e depois.
Então como é que te chamas?
Beata
Eu sou Maria Joana Antia Josefa Gabriela Soares.
Padre Chanca
Eh! Que nome tão grande tu tens.
Beata
Ora, são criaturas que têm morrido e eu vou juntando os nomes.
Padre Chanca
Olhe, diz a verdade
Tu já roubaste alguma coisa a alguém?
Beata
Então o Senhor Prior já roubou?
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Padre Chanca
Mas quem é que se confessa, és tu ou sou eu?
Beata
Eu já roubei
Padre Chanca
Então o que roubaste?
Beata
Roubei uma cordinha
Padre Chanca
Um corda! Tens que a entregar ao seu dono.
Beata
Mas a corda andava
Padre Chanca
Andava? As cordas não andam.
Beata
Tinha atada uma patinha.
Padre Chanca
Uma patinha! Aqui há mistério! Diz lá tudo
Beata
Era um relicha
Padre Chanca
Um relicha! Que é um relicha
Beata
É um bacorinho
Padre Chanca
Um bacorinho!
Beata
Sim senhor. Um bácoro pequenino.
Padre Chanca
Tens que o trazer para se restituir ao dono.
Beata
Não vale a pena. É quase nada.
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Padre Chanca
Mas tem que ter algum peso.
Beata
Não pesa nada.
Padre Chanca
Tens que dizer o que o porco pode pesar.
Beata
Pesou 3 arrobas e 3 quilos.
Padre Chanca
E era pequenino! Se fosse grande quanto pesava?
Deixa lá, para comer não é pecado roubar.
Tens mais algum pecado que te acuse a consciência?
Beata (com a mão no peito)
Pesa-me, pesa-me…
Padre Chanca
Olha, se te pesa põe aí no chão.
Beata
Ai senhor Prior. Tens uns olhos tão bonitos!
Padre Chanca
Então vens para te confessar ou olhares para os meus olhos?
Beata (encostando-se ao Padre e firmando-se nas pernas)
O Senhor Prior tem aqui uma coisa tão dura!
Padre Chanca
Cala-te rapariga. Não vês que é o pé da cadeira.
Ora, ora! Valha-me Deus
Eu sou homem como os mais e vejo-me comprometido.
Pronto rapariga. Vai-te embora. Estás confessada
Beata
Adeus Padre
Padre Chanca
Vai com Deus e que a estrela te guie.