quarta-feira, 7 de maio de 2008

Acta de Colóquio

COLÓQUIO “ O FOLCLORE E O PODER LOCAL”
ESTREMOZ – 11 DE FEVEREIRO DE 2006
Aos onze dias de Fevereiro do ano de dois mil e seis decorreu no Auditório Municipal “Bernardim Ribeiro”, em Estremoz, o Colóquio “O Folclore e o Poder Local”, numa iniciativa da Associação de Folcloristas do Alto Alentejo, em colaboração e com o elevado patrocínio do Município local.
Intervieram como palestrantes os Srs. Prof. Dr. Francisco Ramos, Inspector António Lopes Pires e Dr. Sérgio Fonseca, tendo a moderação dos trabalhos sido efectuada pela Drª Carla Raposeira.
A abertura dos trabalhos foi efectuada pelos Exmºs. Srs. Vereador da Cultura Dr João Chouriço e Presidente da Câmara Municipal de Estremoz Dr José Alberto Fatexa que saudaram todos os presentes dando nota do seu contentamento pelo facto de esta iniciativa decorrer em Estremoz e concretamente naquele espaço, posto que o Município aprecia e estimula as acções culturais, de natureza erudita ou tradicional, numa perspectiva de facultarem a todos os cidadãos estremocenses a oportunidade de contactarem com as distintas ofertas culturais e artísticas, propósito que justifica o próprio investimento municipal tanta a nível das infra-estruturas de que vai dispondo como do próprio calendário de eventos que é proporcionado a toda a população.
Em continuação divulgaram a sua disponibilidade para o apoio a actividades culturais desta área, designadamente ao folclore, no pressuposto de que este sector da cultura tradicional tem de ser valorizado e apoiado na medida em que permite a afirmação das singulares culturais de cada região, impondo-se, por isso, que as autarquias não se demitam de criar boas condições para uma qualificada intervenção dos agentes associativos que intervêm nesta temática, pese embora que apenas supletivamente, posto que a outras entidades deve incumbir, igualmente, o apoio indispensável a este segmento da cultura portuguesa, com base em critérios e regras que têm de ser devidamente aprofundados para melhor atingirem os objectivos de favorecer a intervenção social e cultural nesta área do conhecimento.
O Prof. Dr. Francisco Ramos começou por definir o termo “folclore”, à luz conceptual de William John Tommas, quando em 1846, substituiu a expressão então corrente de “antiguidade popular”, para, a partir daí, descrever a evolução conceptual do folclore, em referência a alguns dos mais ilustres estudiosos da matéria, com destaque para os portugueses José Leite de Vasconcellos, Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira, porém, enquadrando ainda histórica e filosoficamente os contributos de Eduard Taylor, Spencer, Darwin e Augusto Comte.
Do mesmo modo, referiu o contributo do Dr. António Ferro, positivo ou negativo de acordo com as possíveis perspectivas de análise, mas, ainda assim, destacável pela afirmação da cultura popular, numa época em que a tendência apontava no sentido do esbatimento de tudo o que fosse tradicional, e que, em consequência das comemorações dos Centenários e de diversas manifestações sociais e culturais então promovidas, permitiram o fixismo de algumas tradições, numa acção, obviamente, não isenta de erros, mas, a seu ver, positiva. Por diversas razões, que, ponderadamente aduziu, considerou a década de 40 do século passado, como uma década de ouro para os folcloristas portugueses. Na década seguinte referiu a grande influência de Jorge Dias na escola etnológica de Lisboa, registando-se muito válidos contributos para aprofundar o conhecimento das singularidades do povo, com importantes intervenções de Galhano, Manuel Viegas Guerreiro, Benjamim Enes Pereira, Margot Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, etc.
Em síntese, o Prof. Dr. Francisco Ramos concluiu que ao folclore devem interessar todas as áreas do conhecimento sócio-cultural que permitam um conhecimento mais profundo sobre as formas como o homem no seu conjunto se manifestava nas diversas fases da sua vida – trabalho, festa, religião, etc..
Em seguida, usou a palavra o Sr. Inspector Lopes Pires, que na linha da intervenção do orador precedente, abordou a definição do termo “folclore”, sinalizando diversas perspectivas, entre as quais a da Unesco, segundo a qual, folclore (no sentido mais amplo da cultura tradicional) é uma criação que emana de um povo e se fundamenta na tradição expressa por um grupo ou por indivíduos que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade, enquanto expressão da sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outro modo; as suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitectura e outras artes.
Prosseguindo, referiu a perspectiva de Dundee, segundo a qual folclore são também expressões não verbais, o que constitui uma contradição com os conceitos de muitos teóricos. A partir da comunicação de um especialista espanhol num Congresso brasileiro, referiu que um facto folclórico deve ser caracterizado por quatro aspectos fundamentais: ser popular, ser anónimo, ser tradicional e ser universal.
Tendo aceite o desafio da Organização do Colóquio para dissertar sobre “O Folclore e o Poder Local”, após reflexão, decidiu subverter o título da comunicação, e, daí, claro está, alterar (significativamente) o sentido da sua intervenção, pois, entende, que deverá ser o Poder Local a interagir mais com o “Folclore” (entendido como movimento associativo constituído pelos agentes que intervêm nesta área da cultura), uma vez que se espera que o Poder Local se assuma em plenitude como uma entidade que interfere junto dos agentes sócio-culturais de modo a salvaguardar o “Folclore”. Como diz o povo, “Quem dá o pão, pede a obrigação”. A obrigação da autarquia é dar o apoio mas exigir qualidade, descriminando positivamente os que melhor aproveitam o apoio concedido.
Os grupos de folclore devem saber o que recolher e como recolher, do mesmo modo que têm de estar perfeitamente conscientes de que em todo o momento se devem preocupar com a preservação da cultura, seja física ou imaterial. Sem preservação não há conhecimento nem defesa e a divulgação será sempre efémera. Todos os grupos de folclore devem registar as suas recolhas, sistematizando este trabalho, posto que a desculpa “com as velhinhas que já morreram, já não colhe”. Ainda que no seio do próprio grupo a recolha tem de ser registada, anotando-se quem, quando e em que circunstâncias transmitiu aquela informação, que deverá ficar registada tão completamente quanto seja possível.
Em cultura tradicional há uma regra sagrada – Proibido inventar! Os grupos de folclore, naturalmente, através dos seus responsáveis técnicos, devem recolher, analisar e reconstituir o que lhes for transmitido, nunca divulgando aquilo sobre o qual haja dúvidas de representação. Inventar para completar informação em falta, nunca! A mentira tem perna curta, e mesmo quando alguém pensa que está a enganar outrem, acaba sempre por se descobrir, e mesmo que não se descubra, há sempre alguém que conhece a verdade, que são os próprios, e quando os próprios não recusam enganar-se a si mesmos, algo vai mal.
Em tempo de debate, intervieram os srs. Manuel Braga, Martinho Dimas, João Carriço, Lino Mendes, Florêncio Cacete, Manuel Palhouco, Ludgero Mendes e Maria Castanho, que colocaram pertinentes questões, as quais foram cabalmente respondidas pelos comunicantes que até então haviam usado a palavra.
Após um almoço esmeradamente servido e que foi oferecido pelo Município de Estremoz, retomaram-se os trabalhos com a intervenção do Dr. Sérgio Fonseca, que abordou o tema dos instrumentos musicais tradicionais, tendo desenvolvido este tema com o suporte informático, permitindo a visualização e a audição dos diferentes instrumentos que ia caracterizando, ordenados pela classificação de Curt Sachs, ou seja, pelas famílias dos membranofones, dos idiofones, dos aerofones e dos cordofones, adequando os exemplos aos instrumentos mais tradicionais na região alentejana, tendo feito uma interessante referência às “pedrinhas de Arronches”, à sarronca, à viola campaniça e, como não poderia deixar de ser, ao cante alentejano, verdadeiro conjunto harmónico de “instrumentos anatómicos”, conjugados ao mais elevado potencial.
Satisfazendo o convite formulado pela Associação de Folcloristas do Alto Alentejo, Ludgero Mendes, interveio no final dos trabalhos para apresentar uma proposta de “Conclusões” deste Colóquio, de modo a sintetizar os aspectos mais relevantes deste encontro que foi unanimemente considerado como muito importante. Assim, foram apresentadas as seguintes “Conclusões”, que foram aprovadas, no seu conjunto, por aclamação:
Entre o Poder Local, designadamente as Câmaras Municipais, as Juntas de Freguesia, as Regiões de Turismo e as Associações de Desenvolvimento Regional e os grupos de folclore deverão estabelecer-se relações de compromisso mútuo, definindo-se os direitos e as obrigações de ambas as partes, numa perspectiva de fomentar o estudo, a conservação e a divulgação da cultura tradicional local ou regional;
Entre o Poder Local e as associações culturais que intervêm nas áreas da etnografia e do folclore, deverão estabelecer-se acordos de cooperação, tipo contratos-programa, em que se definam claramente os critérios e as regras que devem regulamentar os diversos aspectos em que assentem os protocolos a elaborar;
A relação entre o Poder Local e os grupos de folclore tem de assentar na assumida cooperação de todos na defesa, no estudo, na salvaguarda e na divulgação digna e consciente do património cultural tradicional;
Constatando-se que a maioria dos grupos de folclore apenas se interessam pelas danças, músicas, trajos e cancioneiro da comunidade que pretendem representar, estimula-se a que devam igualmente dedicar-se à pesquisa, ao estudo, à conservação e à divulgação dos restantes aspectos que permitem conhecer de uma maneira mais profunda e mais abrangente essa comunidade;
Os grupos de folclore devem saber o que recolher, como recolher e, não menos importante, como devem conservar e preservar o espólio recolhido;
Os grupos de folclore não podem sobreviver sem o estudo, a classificação e o registo do material recolhido;
O folclore continua vivo e os grupos de folclore, mau grado alguns erros, são as entidades que melhor consubstanciam as diversas vertentes que interagem e integram os conceitos mais correntes sobre a dança, a música, o trajo e a poesia tradicional;
Os grupos de folclore deverão, tendencialmente, privilegiar o recurso aos instrumentos musicais tradicionais mais adequados à época representada, designadamente, os que ainda possuem memória dos sons autóctones locais;
Os grupos culturais dedicados ao cante alentejano devem criar condições para atrair jovens cantadores, abrindo-lhes as portas e acolhendo-os com entusiasmo e sem quaisquer complexos, disponibilizando-lhes os ensinamentos necessários;
Mau grado a escassa participação de autarcas da região do Alto-Alentejo, conclui-se que este Colóquio foi muito relevante, recomendando-se a divulgação deste texto por todos os municípios e juntas de freguesia da região.
Estremoz, 11 de Fevereiro de 2006

Nenhum comentário: