quarta-feira, 7 de maio de 2008

Apontamentos sobre a Olaria no Alentejo

Antes de mais devo referir que estes apontamentos não pretendem de forma alguma ser um trabalho exaustivo sobre a cerâmica do Alentejo pois ele está quase vazio de referências históricas e da própria evolução que os oleiros e barristas, paulatinamente lhe vieram a conferir ao longo de séculos mantendo no entanto uma tipologia arcaica salvaguardando velhas tradições legadas por várias civilizações ibéricas.
Nem em todas as localidades havia barro pelo que esta actividade esteve e de certo modo ainda está ou estava circunscrita no distrito de Évora às seguintes localidades:
Estremoz
Redondo
S. Pedro do Curval – Reguengos de Monsaraz
Viana do Alentejo
E no distrito de Portalegre:
Nisa
Arronches – há muito extinta
Flor da Rosa – Crato
Campo Maior – Talhas grandes
A olaria de Viana do Alentejo e a de Flor da Rosa foi sendo caracterizada através dos tempos pelo seu aspecto aparentemente grosseiro, devendo-se sobretudo à não existência de, nas peças ali fabricadas de motivos decorativos.
Isto é, as peças de Viana e Flor da Rosa são sobretudo cerâmica muito simples e popular, inspirada na dos povos mais primitivos com especial predominância para as de uso doméstico.Aqui encontramos os tradicionais alguidares vidrados e que se destinam a ser utilizados nas tradicionais matanças do porco e na amassadura do pão. Para além dos alguidares podemos destacar entre as muitas peças tradicionalmente fabricadas: as bilhas, barris e cântaros para a água (quarta). Fogareiros, vasos para flores, panelas e barranhões e ainda tarefas, também chamadas talhas para as azeitonas.
Também em tempos eram fabricados os alcatruzes para as noras que, em muitas zonas do Alentejo e, possivelmente devido á existência de inúmeros oleiros eram fabricados em barro. Hoje face a outras formas de rega as noras deixaram de ter essa utilidade.
Em Campo Maior há muito que se deixaram de fabricar as talhas, recipientes grandes e bojudos onde se colocava o mosto das uvas para aí fermentar até se fazer vinho.
Antes das especificidade doutros locais refiro de seguida como aqui se preparava o barro.
A argila era cavada e transportada para a olaria,
Já na olaria, a argila era exposta ao sol para que se possa partir mais facilmente em pequenos bocados “misgalhar o barro”. Sobre a argila partida é deitada água, de preferência com um regador, para que esta seja totalmente absorvida. Era natural fazer-se esta operação ao final do dia para que, durante a noite o barro fosse amolecendo. Era de seguida amassado com a mão e colocado em monte. O oleiro subia para cima e, colocando um pé ao centro servindo de apoio e rodando no sentido dos ponteiros do relógio, esmagava os bordos com o calcanhar, que progressivamente se ia enterrando. Depois de amassado passava de seguida à detecção de impurezas e corpos estranhos, utilizando para o efeito a sua própria mão que faz separar por pequenos blocos de barro.
Todo o trabalho de preparação do barro demorava cerca de hora e meia.
A roda é o principal utensílio do oleiro.
A roda mais antiga, a mais simples, é a denominada roda baixa, movida com a mão. Era utilizada já pelos egípcios, como testemunham os frescos de há 2000 mil anos A. C. existentes nos túmulos de Tebas e reproduzidos por A Brongniart e Joaquim de Vasconcelos, nos seus estudos sobre cerâmica.
Este tipo de roda ainda hoje é utilizado mas no norte de Portugal. No Alentejo não se encontram vestígios da sua utilização.
Os oleiros do Alentejo utilizam outro tipo de roda, mais alta, accionada com o pé e de origem árabe. É montada numa espécie de mesa denominada “arquina”, onde é colocada uma placa de madeira, uma tigela com água e bocados de barro.
Trabalhar com a roda exige grande vocação, prática e perseverança, para se conseguir uma sincronização perfeita entre os pés e as mãos e uma velocidade constante e uniforme. O pé imprime o movimento e controla a velocidade, enquanto as mãos vão transformando o barro colocado sobre a roda, subindo-o, alargando-o até se atingir a forma final que o oleiro idealizou.
Cortada a peça pela base, com um fio ou arame, a peça é retirada e colocada em local a secar de maneira a ficarem apenas com a humidade ideal e só depois seguia para o forno. O tempo de secagem é variável dependendo de vários factores; espessura da peça, condições das instalações e condições atmosféricas.
Os fornos eram geralmente construídos no pátio da casa do oleiro. São descobertos, sem chaminé, protegidos dos ventos por paredes de alvenaria, geralmente cobertas por uma abóbada protegida com telhas e eram constituídos por dois espaços.
Na parte inferior ou caldeira onde se mete a lenha por uma abertura frontal.
A caldeira está separada da parte superior, câmara de cozimento ou forno propriamente dito, por um pavimento de tijolo fino para facilitar o aquecimento. O tempo de cozedura é variável.
Normalmente a cozedura é feita de noite, pois este tipo de fornos não tem qualquer indicador de temperatura, tendo o oleiro que espreitar a cor das peças, através de uma vigia para saber se já estão cozidas, colocando, no caso de a cozedura ainda não estar acabada, mais lenha sob as peças mais cruas.
As peças ao serem colocadas no forno “enforna” têm de obedecer a uma técnica apurada de maneira a que o fogo seja distribuído de igual modo por todas elas. A lenha é introduzida lentamente – 2 a 4 horas – “período resquente”, evitando-se a mudança brusca de temperaturas que poderia ocasionar que as peças se quebrassem. O tempo de cozedura é variável, dependendo da posição das peças, da qualidade e da quantidade de lenha.
Relativamente à olaria de S. Pedro do Curval e do Redondo são peças essencialmente de uso doméstico, isto é, pratos grandes e pequenos, terrinas, tigelas, cafeteiras, azeitoneiras, bacias, penicos, etc.
Distingue-se pelo decoração efectuada em cada peça e as cores dessa decoração.
Decoração simples, ingénua e tendo como motivos essencialmente rurais, de fauna e flora e por vezes de amor com frases ou quadras alusivas a este sentimento.
As cores usadas eram o azul, feito à base de sulfato de cobre e o verde à base de bicromato de potássio. O vermelho, quando usado era feito de uma aguada feita a partir do barro vermelho.
Por norma a louça aqui produzida é vidrada para que possa oferecer uma maior resistência ao uso.
Ao norte do distrito de Portalegre temos a vila de Nisa. Situada entre o Ria Tejo e o Sever, que a separa de Espanha. Pelo concelho passa a Ribeira de Nisa que desagua no Tejo, existindo ainda, no seu alfoz, algumas nascentes importantes, entre as quais se salientam as da Galiana.
Está geologicamente integrada no complexo xisto-gresoso das Beiras, proporcionando aos oleiros um barro de fraca plasticidade e que racha facilmente. Apesar da má qualidade do barro e da dificuldade maior em o obter, a cerâmica de Nisa só se mantém graças a uma evolução técnica muito apurada.
Há uma certa diferença na preparação do barro em Nisa.
O barro é decantado e purificado por meio de lavagem, coamento e sedimentação.
Na composição da pasta entram três espécies de barro;
Barro branco – argila fracamente arenosa, branca, com alguns laivos vermelhos, de consistência gomosa, da Idade Terciária;
Barro preto - silto argiloso de côr parda, micro-vacular, fracamente denso;
Barro vermelho – argila siltosa, fracamente arenosa, muito ferruginosa, de côr acentuadamente vermelha, da Idade Terciária.
A modelação é inteiramente manual. Apenas no alisar da superfície exterior das peças se utiliza um pequeno rectângulo de pano, normalmente de lã, denominado aplanata e um pedaço de cana bravia afeiçoada em forma de trapézio com cerca de 15 cm.
De entre as peças mais conhecidas e mais populares temos a bilha de asa, o pote ou asado de pucarinha e o pote ou asado de barrete de S. Pedro.
Muito procuradas também são: a garrafa, o cantil e o barril.
O prato de parede é essencialmente decorativo.
Voltemos ao barril, que em Nisa toma o nome de moringue. É um barril de mama ou de duas bicas, peça evoluída de uma forma básica, por adaptação de bocais e asa.
O barril de carro peça integrante dos utensílios do pastor e do carreio, proporcionando a este último dessedentar-se nas grandes travessias despovoadas e secas.
Sob o aspecto de ornamentação, o oleiro de Nisa soube criar um tipo decorativo muito artístico.
Para decoração é usada a pedra branca – quartzo leitoso -, que sofre também uma operação preliminar fundamental que tem por fim, por meio de fundição a que é submetido, tomar um aspecto mais branco e oferecer menos resistência na redução a pequenos fragmentos. É tratado da seguinte forma:
Cozido no forno, com lenha grossa, a alta temperatura, o quartzo é, depois de arrefecido, esmigalhado com o auxílio de seixo de quartzite. Os fragmentos são joeirados para apuramento, seleccionando-se dois tamanhos empregados depois na decoração.
Com manifesta preferência pela utilização dos círculos, semicírculos e formas rodadas, a decoração da cerâmica de Nisa, apresenta um substrato cultural indígena e a aplicação de motivos tradicionais, constitui, contudo pela delicada estilização, uma decoração típica, única no país.
De técnica evoluída, a cerâmica de Nisa mantém uma tradição milenária, conservando a mulher associada à sua elaboração. E, tendo sido no período Neolítico, um trabalho exclusivamente de mulheres, são ainda elas e alguns utensílios femininos que intervêm no seu acabamento, pelo que, antes da peça ser cozida no forno, é riscada com uma agulha de cozer roupa, segundo o gosto da artesã, instruída desde menina, na tarefa decorativa da olaria de Nisa. Acabado o desenho incisivo de agulha a peça é pedrada, tendo o cuidado de se introduzir na peça a extremidade angular do quartzo, ficando para p exterior a superfície plana da maior faceta do fragmento, carregando-o com a unha do polegar, para o fixar bem.
Pedrar é, de todo o labor desta cerâmica, a tarefa mais delicada e paciente e aquela que lhe imprime um verdadeiro cunho artístico.
É a tarefa de transformar uma peça tosca numapequena maravilha.
A sua delicadeza e perfeição técnica verifica-se passando a mão sobre a superfície pedrada da peça sem conseguir encontrar maiores saliências ou falta de uniformidade.
Deixamos para o fim Estremoz.
É do Alentejo provavelmente a mais antiga, a mais conhecida e a mais diversificada. Já no foral datado de 1259, reinando D. Afonso III encontramos uma referência aos barros de Estremoz ... e o moradores deEstremoz aiam livremente tendas e fornos de pam e de dollas. E dos fornos de telha dêem dízima ...
Uma segunda citação regista-se igualmente no foral de D. Manuel I, datado de 1512 ... da telha e tijolo que se fizer na dita villa en termo para vender se pagará dízima e se sse tirar pera fora per omens de foraa dous reaaes por carga mayor ...
É a terra onde se encontra o barro vermelho mais fino e mais estimado de todo o Portugal.
Em 1571 o cardeal Venturini, secretário legado Pontificio numa das visitas à corte portuguesa diz-nos que sobre a mesa estava um vaso de prata cheio de água do qual se deitava em um de jarro, chamado na língua portuguesa púcaro, do feitio de uma urna antiga, da altura de um palmo e feito de barro vermelho subtilíssimo e luzidio, que chamavam barro de Estremoz, pelo qual o Rei D. Sebastião bebeu seis vezes.
Na correspondência de Filipe II para as suas filhas Isabel e Catarina falava nos “mimos” que representavam os púcaros de Estremos.
Ao pintar o quadro “Las Niñas”, Velasquez faz figurar um púcaro de Estremoz sobre uma salva de prata que uma das damas tem na mão.
No último quartel do século XIX começaram a surgir novos modelos para além da louça vidrada, polida ou riscada, da tradição oleira local:
Bilha
Asado
Barril
Prato
Moringue
Púcaro
O prato este pertenceu a todas as civilizações ainda que com características próprias.
A bilha de Estremoz também é pedrada à semelhança da de Nisa, no entanto a sua decoração é bem mais simples.
A olaria de Estremoz nas suas peças mais famosas era enriquecida por figurado de animais ou pedrinhas ou ainda vegetação por onde a água serpenteava ciando ou cantando segundo os acidentes e o contacto com o barro poroso.
O barril e o asado são reminiscências da ocupação romana.
Para a construção civil fabricavam-se telhas, telhões, tijolos, ladrilhos, remates de beirais, etc.
Depois nascem os vasos ornamentais, colunas para salas, pratos com fruta e outra louça de ornamento.
Não menos importante que os pucarinhos temos os bonecos de Estremoz.
Perdidas no tempo estão as origens da arte bonecreira. Sabemos que no século XVIII eram feitos e muito admirados os bonecos de Estremoz, arte quase exclusiva de mulher.
Por volta de 1930 foram dados passos decisivos para salvar esta tradição. É desse tempo a colecção de bonecos exposta no Museu Municipal. Grande parte deles foram adquiridos pela autarquia ao Engº Reis Pereira, irmão do poeta José Régio, que por sua vez a adquiriu e reuniu ao longo de 30 anos.
Conhecem-se:
Presépios de trono ou altar, autênticas maravilhas sobretudo pela simplicidade e ingenuidade;
Santos de devoção nacional, Senhoras com manto, com o Menino ao colo, Senhora na mula com o Menino ao colo e S. José, etc;
A Procissão com cerca de 70 peças
Bonecos de feição regionalista – aguadeiro, leiteiro, pastor, namorados junto ao poço, mulher a fiar, etc, etc.
A gama de cores usadas não conhece limites, no entanto prevalecem o verde, o azul, o vermelho, o zarcão, o amarelo, o branco, o roxo, o laranja e o preto.
Estas tintas eram feitas à base de terras ou óxido , que se diluíam em água misturando-lhe grude.
Existiam também brincos e bonecos de assobio, que eram o encanto das crianças.
Porque vivemos numa sociedade humana num momento particularmente importante, porque rico de contrastes, entendemos que o regresso de certas áreas das artes tradicionais às escolas, devidamente programadas e devidamente assistidas em simultâneo por professores e artesãos, seria benéfico inflectindo assim a marcha no sentido cultural.
Como referi no inicio, não é um trabalho sobre a olaria no Alentejo, pois muito mais havia para dizer é isso sim, uma tentativa de dar a conhecer valores herdados e que são parte do património do povo a que pertenço.
É que nunca é tarde para preservar as nossas tradições, se o tarde for agora.

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