quarta-feira, 7 de maio de 2008

Conversa sobre Saias

Folclore
Palavra de origem inglesa, criada em 1846 por Jonh Thomas, é formada por Folk que é povo e lore que traduz cultura, tradição, assente em lendas, costumes, orações, superstições e outras derivantes.
Um dos problemas mais complexos e intrincados que se põe aos coreólogos e aos folcloristas que estudam a dança, é a autenticidade étnica de cada dança. A este respeito convém não esquecer que as fronteiras antropológicas e etnológicas, logo folclóricas, não correspondem necessariamente nem às fronteiras administrativas, na medida em que aquelas nem sempre foram traçadas por vontade dos povos a que dizem respeito ou por razões de ordem étnica, mas sim em virtude de conflitos bélicos e tratados políticos, e estas as administrativas foram sempre tratadas por razão de ordem burocrática e de comodidade.
Dado que este trabalho não é de forma alguma um ensaio sobre a dança, não iremos abordar esse tema sedutor que é a origem da dança – porque é que o homem dança ?
Diremos apenas que a dança se insere nas liturgias antigas e destas se parte para o drama liturgico, e se torna mais tarde em mera diversão, o que logo conduz à sua inserção na festa – já que é na festa popular que as danças tradicionais têm a sua origem.
Leite de Vasconcelos que andou por todo o Alentejo onde realizou trabalhos de campo, deu-nos preciosas informações sobre danças tradicionais, mas é certoque nunca aprofundou o suficiente para que nos dias de hoje possamos ter certezas.
Igualmente Lopes Graça e Michael Giacometti lamentavelmente nunca aprofundaram o estudo das danças populares, embora nos tenham legado um extenso e valioso património.
Desgarradamente esse trabalho tem sido abordado e está disperso por várias obras ainda que com algumas lacunas o que nos leva pensar que muito há por fazer.
E terá que ser feito por coreólogos ou etnocoreólogos que não há muitos em Portugal, mas urge, porque mais hoje mais amanhã as fontes de recolha desaparecem.
Relativamente às danças populares portuguesas houve desde sempre a necessidade de precisar quais as de carácter folclórico, populares ou popularizadas.
Folclóricas são as tradicionais dançadas essencialmente nos meios rurais ou suburbanos;
Populares são aquelas danças criadas ou que tiveram origem no povo;
Popularizadas são as danças extrapopulares que o povo adoptou porque gostou delas.
Como já referido está por fazer a Carta da Dança em Portugal. Se essa Carta vier a ser feita teremos que muitas danças apresentadas hoje, algumas delas têm origem no século XVI – de origem palaciana- que o povo adoptou à sua mentalidade. Durante o século XIX tornou-se frequente a lenta transformação da dança tradicional.
Basta ver nos dias de hoje, pese embora grandes adulterações feitas, o ar nobre e altivo em muitas das danças dos nossos Grupos de Folclore.
Estou em crer que nada vou adiantar sobre o tema proposto – As Saias -, todos sabemos que é umadança cujo simbolismo e forma muito tem a ver com o Alto Alentejo, até porque morfologicamente ela é realçada pelo homem e pela mulher, em toda a sua simplicidade e beleza.
Mercê de uma aculturação que é por demais evidente teremos que a moda de Saias é dançada também em certas regiões do Ribatejo, Beiras, Estremadura e aparece-nos ainda que muito acidentalmente no Douro interior.
Coreográficamente a interligação e desenvolvimento das marcações, gestos, poses e movimentos são da maior importância, porque permite exprimir precisamente o simbolísmo atrás referido.
Porque dançadas no Alto Alentejo e dada a proximidade com a Extremadura espanhola vários etnógrafos aparentam as Saias com a Jota, a Seguidilha e com a Saeta.
Com a Jota e a Seguidilha há de facto alguma similitude, à semelhança com outras danças características doutros pontos do país, no entanto, quanto à Saeta tal já não faz sentido pois esta muito raramente é dançada. A Saeta é cantada, de caracter religioso e cuja interpretação é quase obrigatória por altura da Semana Santa, em especial durante as procissões.
Há registos que já no final do século XVII se dançavam as saias em toda a zona – hoje Alto Alentejo – embora com estilo diferente e muito ao sabor da Andaluzia.
Como já referido as saias é uma moda característica de toda a província do Alto Alentejo, podemos no entanto localizá-las nos concelhos a norte Ponte de Sôr e Nisa (aqui modas de estralos) com um sabor bastante diferente dos concelhos de Campo Maior, Sousel, Avis ou Fronteira.
Na vila de Redondo, onde mercê da Serra de Ossa desaparecem quase por completo. Começa aqui a sentir-se o Cante Alentejo – Cantadores de Montoito (Redondo).
Esta dança apresenta-se-nos em várias formas:
Saias Velhas – mais antigas dançadas em forma de valsa-mazurca
Saias Novas – dançadas nos dias de hoje em forma de valsa campestre.
Ainda que com estas pequenas diferenças, as saias velhas ou novas têm mais a ver com o seu aparecimento, isto é, saias novas eram aquelas que apareciam normalmente em finais de Setembro, pelo São Mateus em Elvas, a grande Romaria do Alto Alentejo para onde convergiam muitos romeiros e onde permaneciam durante oito a dez dias.
Durante a sua caminhada para Elvas, normalmente em carros, churriões ou charretes – puxados a mulas ou cavalos – pernoitavam em várias localidades onde, sobretudo ao serão e em volta de fogueiras dançavam modas que iam aparecendo ao longo do ano.
As saias velhas davam lugar às saias novas, muitas vezes com formas de dançar semelhante.
Saias Aiadas – são aquelas em que o cantador grita um “ai” no estribilho, indicando desta forma a volta.
Há quem defenda que haverá outra forma de dançar saias, as puladas. Em meu entender e como já referi as saias são dançadas de forma valseada, com os pés bem rentes ao chão, pelo que não faz sentido Saias Puladas.
A moda de saias varia um pouco de região para região, havendo até mesmo estilos diferentes na mesma região.
De quadrilha, de roda ou em coluna. Acontece e não poucas vezes que o mesmo grupo de pessoas ao toque do tocador possam elas mesmo evoluir na mesma dança permitindo-lhes várias marcações. É disso exemplo as Saias de Longomel, freguesia de Ponte de Sôr ou a Martunheira na zona de Portalegre.
Pode também acontecer que durante o mesmo toque grupo de pessoas se combinem para as dançar em estilos diferentes.
As Saias são por natureza cantadas havendo sempre um tema que poderá ser de amor, de escárnio ou mal dizer, mas sempre um despique/desafio.
São por norma cantadas por homem e mulher. Podendo também ser cantadas por duas mulheres quando há um homem por “meio” ou até por dois homens quando haja uma mulher em disputa. Eram no entanto situações muito raras pois o povo não se expunha com facilidade, era bastante discreto.
Como já referi as saias eram dançadas ao som do canto do homem e da mulher.
Como forma de interpretação teremos:
Cantar os 4 versos seguidos, repetindo o terceiro e o quarto e a seguir o primeiro e o segundo
Cantar o primeiro e o segundo e repetir e depois cantar o terceiro e o quarto e repetir.
Raras vezes acontecia cantar-se a quadra seguida passando imediatamente à quadra seguinte.
Como exemplo de uma moda de saias teremos – Saias do Adro – do Rancho Folclórico dos Fortios – concelho de Portalegre cuja coreografia é a seguinte:
Compassada, com um ritmo lento e melodioso. Não são batidas, são sempre valseadas e dançadas em roda.
Na marcação inicial, os homens vão ao meio girando sobre si mesmos para o lado direito valseando. Quando chega ao centro da roda juntamente com os outros homens, p sentido muda, gira para a esquerda e retoma ao sitio onde principiou. O homem faz isto no o período que ocupa a primeira quadra da música enquanto a mulher valseia na posição inicial.
A quadra é dobrada e inverte-se a situação, é a vez da mulher proceder exactamente da mesma forma que o homem executou, enquanto o homem valseia no mesmo sitio de onde arrancou.
Na segunda parte em que a mulher canta, os pares agarram-se e valseiam no mesmo sitio, depois a quadra é dobrada e os pares valseiam agora, mas em roda.
Esta marcação é repetida duas vezes, de acordo com a letra das saias, que é composta por 4 quadras que são dobradas.
De referir que as modas de saias sempre foram só cantadas ou cantadas e dançadas com um suporte musical. Não era por não haver quem tocasse que se deixava de cantar e dançar.
Isto porque não se conhecendo Instrumento Musical que tivesse origem no Alto Alentejo, eu defendo há muito que a Viola Campaniça (*) também aqui se tocava em várias funções, muito embora a sua implantação tenha raízes mais acentuadas no Baixo Alentejo onde nos dias de hoje ainda encontramos meia dúzia de tocadores o que não acontece no Alto Alentejo, pois à cerca de 50 anos que não se conhece tocador. O Harmónio é “importado” da Alemanha no último quartel do século XVIII dando posteriormente lugar à Concertina e ao Acordeão.
A Harmónica ou Realejo entra em Portugal em meados dos anos trinta do século passado.
As Saias são bem mais antigas que estes Instrumentos Musicais.
Resta-nos o Adufe de origem árabe e o pandeiro. São ao som do pandeiro as mais autênticas.
Como já referi a carta da Dança Popular Portuguesa não está feita. Desse trabalho que por certo ainda será realizado devem constar todas as danças conhecidas, sua origem, marcações coreográficas e geográficas, estilos, etc e por certo porque se chamam Saias a moda mais característica do Alto Alentejo.
(*) Hoje estudiosos na área da musicologia já concordam comigo no que diz respeito ao uso da Viola Campaniça em algumas localidades do Alto Alentejo.
Aos cinco de Junho de 2004.

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